Enfoque territorial e diretrizes da FAO na execução do projeto SEMILLAS em comunidades rurais do Equador

Maria José De Rezende y Maria Fernanda Vallejo Aristizábal

Otra Economía, vol. 13, n. 23: 47-66, enero-junio 2020. ISSN 1851-4715



Enfoque territorial e diretrizes da FAO na execução do projeto SEMILLAS em comunidades rurais do Equador


Enfoque territorial y directrices de FAO en la ejecución del proyecto SEMILLAS en comunidades rurales de Ecuador


Territorial approach and guidelines of FAO in the execution of the SEMILLAS project in rural communities of  Ecuador


Maria José De Rezende*

mjderezende@gmail.com   

Maria Fernanda Vallejo Aristizábal**

fernandavallejo1966@gmail.com 




Resumo: Pretende-se testar, num contexto específico, as diretrizes territoriais e participativas da FAO no processo de execução de um projeto, o SEMILLAS, por ela coordenado, na região interandina do Equador. Esta é uma pesquisa documental que associa a abordagem externalista e internalista.  Tanto a análise do documento DTPN da FAO quanto as análises dos documentos relacionados ao Projeto SEMILLAS, no que tange a sua gestação, gestão e operacionalização, serão feitas levando-se em conta o contexto social externo que tornou possível a proposição das orientações DTPN e a execução do projeto SEMILLAS. Busca-se entender, internamente, como as propostas e as práticas são comunicadas a todas as partes envolvidas nos processos de execução do projeto em análise. Primeiramente, pretende-se decifrar as estratégias políticas construídas, pela FAO, no material intitulado Desenvolvimento Territorial Participativo e Negociado (DTPN).  Numa segunda etapa, serão analisados os documentos (os relatórios de monitoramento de atividades e as atas de Oficinas) relacionados ao projeto SEMILLAS. Buscar-se-á registrar não só as contradições que emergem de um dado projeto de desenvolvimento, mas também, como as comunidades rurais do Equador buscavam intervir na execução do referido projeto, dando a ele sentidos e significados orientados por suas práticas sociais, políticas e culturais.  

Palavras-chaves: desenvolvimento territorial e comunitário, agricultura, participação.


Resumen: Este artículo pretende verificar, en un contexto específico, el grado de aplicación o no de las directrices territoriales y participativas de la FAO en el proceso de ejecución de un proyecto, el SEMILLAS, por ella coordinado, en la región interandina del Ecuador. Esta es una investigación documental que asocia el enfoque externalista e internalista. Tanto el análisis del documento DTPN de la FAO como el análisis de los documentos relacionados con el Proyecto SEMILLAS, en lo que se refiere a su gestación, gestión y operación, se harán teniendo en cuenta el contexto social que hizo posible la propuesta de las orientaciones DTPN y el proyecto SEMILLAS. También interesa entender, internamente, cómo las propuestas, las prácticas y las acciones se comunican a todas las partes involucradas en los procesos de ejecución del proyecto en análisis. En primer lugar, se pretende descifrar las estrategias políticas construidas por la FAO, en el material titulado Desarrollo Territorial Participativo y Negociado (DTPN). En un segundo paso, se analizarán los documentos (informes de monitoreo de actividades y actas de talleres) relacionados con el proyecto SEMILLAS. Se buscará registrar no sólo las contradicciones que surgen de un determinado proyecto de desarrollo, sino también la forma en que las comunidades rurales del Ecuador trataron de intervenir en la ejecución de este proyecto, dándole sentidos y significados guiados por sus prácticas sociales, políticas y culturales.

Palabras claves: desarrollo territorial y comunitario, agricultura, participación.


Abstract: This article aims to test, in a specific context, FAO's territorial and participatory guidelines in the process of implementing a project, SEMILLAS, coordinated by it, in the inter-Andean region of Ecuador. This is a documentary research that combines the externalist and internalist approaches. From the external point of view, both the analysis of FAO’s DTPN document and the analyses of the SEMILLAS Project, regarding its development, management and operationalization, will be made taking into account the external social context that made possible the proposition of the DTPN guidelines and the SEMILLAS project. It is also of our interest to understand, from an internal point of view, how proposals, practices and actions are communicated to all parties involved in the execution processes of the project under analysis. Firstly, it is intended to decipher the political strategies constructed by FAO in the material entitled Participatory and Negotiated Territorial Development (DTPN). In a second step, documents (activity monitoring reports and minutes of workshops) related to the SEMILLAS project will be analyzed. It will seek to register not only the contradictions that emerge from a given development project, but also the way in which rural communities in Ecuador sought to intervene in the execution of that project, giving it senses and meanings oriented by their social, political practices. and cultural.

Keywords: territorial and community development, agriculture, participation.



Introdução


As Ciências Sociais, nas suas diversas áreas (Sociologia, Economia, Antropologia, Geografia, entre outras), produziram, ao longo de vários anos, muitas análises e abordagens centradas na necessidade das pesquisas se aterem às especificidades territoriais. Do ponto de vista teórico-metodológico, gera-se um conjunto de teorias e conceitos de territórios que vai formando uma epistemologia orientadora da construção de objetos de estudos e de procedimentos de pesquisas direcionados a desvendar as singularidades territoriais orientadoras de sociabilidades, cultura, relações econômicas, organização de poder, articulações políticas, ações, práticas e interações sociais diversas. Marie-Vic Ozouf-Maringnier (2013: 60) atesta que, nas últimas décadas do século XX, a partir da expansão das abordagens territoriais, notam-se mudanças epistemológicas significativas nas diversas Ciências Sociais.

Cabe observar algo relevante, que é destacado por Ozouf-Maringnier (2013: 62), a saber, não se deve imaginar que as preocupações com o que veio a ser designado como território só existem na atualidade. Ela destaca que essa ideia de território pairava sobre muitos trabalhos, isto bem antes que a palavra específica território e o sintagma abordagem territorial tivessem a designação que possuem na atualidade. A história de um conceito, alerta Norbert Elias (1999), não está restrita ao aparecimento da palavra específica que o designa. Assim foi com as palavras evolução, desenvolvimento, modernização, modernidade, e pode se dizer também território, entre outras. A conceituação deriva de um amplo fundo de experiências e de conhecimentos (Elias, 1998) que se vão “associando (...) a uma sequência (...) de acontecimentos [que tendem] para uma determinada direção” (Elias, 1999: 162).

Ainda que houvesse uma percepção do mundo social coincidente com o que se convencionou designar como abordagem territorial, somente no final do século XX2 tem-se a expansão tanto das noções de território, quanto das perspectivas territoriais e das epistemologias3 assentadas em caminhos teóricos orientadores de construções de objetos e de procedimentos de pesquisas que visam decifrar espaços de interações sociais específicos no referente à vida material (formas econômicas de produzir, de trabalhar, de lidar com a terra e com o meio ambiente, distribuição da produção, consumo, etc.) e imaterial (identidades, valores, culturas, subjetividades, religiosidades, etc.).

Esclarece-se que este estudo tem como objeto as estratégias sociopolíticas propositivas traçadas pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), presentes no documento intitulado Desenvolvimento Territorial Participativo e Negociado (DTPN), que objetivam valorizar as vivências e as interações sociais capazes de, por meio de identidades comuns (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO, 2005), impulsionar projetos de interesse de um dado grupo social numa espacialidade territorial específica. As proposições participativas, nesse documento, destacam a existência, numa mesma territorialidade, de interesses e valores distintos, bem como de conflitos diversos.

O processo participativo e negociado visaria desarmar as hostilidades e animosidades para que assim fosse possível levar a cabo projetos de desenvolvimento e de mudanças. São objetos desta investigação tanto os diagnósticos e as prescrições que estão presentes no referido documento da FAO quanto os desafios que vêm à tona quando se examinam tais prognósticos à luz de políticas estabelecidas em uma territorialidade específica. No caso desta investigação, se examinará como um projeto - o SEMILLAS - de preservação de sementes na região interandina do Equador, assessorado e executado pela própria FAO, desafiava as prescrições de desenvolvimento territorial e participativo proposto por esse organismo internacional.

Há duas faces que se complementam neste estudo, por isso, será feita uma análise documental na qual, num primeiro momento, se buscará decifrar as proposições e estratégias políticas tornadas públicas, pela FAO, no material intitulado Desenvolvimento Territorial Participativo e Negociado (2005). Num segundo momento, será feita uma análise de outros documentos relacionados ao projeto SEMILLAS, tais como os relatórios de monitoramento de atividades, atas de Oficinas, entre outros. Buscar-se-á registrar, assim, os desafios que emergem da tentativa de executar e operacionalizar, em uma localidade específica, um desenvolvimento territorial participativo e negociado.

As análises de materiais como esses devem levar em conta abordagens tanto externalistas (Medina, 1982), em que os documentos serão discutidos à luz dos contextos socio-históricos e socioespaciais que os tornaram possíveis, quanto internalistas. Neste último caso, “a linguagem ocupa um papel central [já] que não existe conhecimento sociológico que não passe [pela] linguagem, [que tem de ser sempre] situada (...). Tudo o que é dito, é dito para alguém em algum lugar” (Melucci, 2005: 33), ou seja, dentro de uma situação, de um contexto de circunstâncias sócio-históricas, socioespaciais e sociopolíticas específicas.  No caso dos documentos do Projeto SEMILLAS, como uma das autoras esteve presente no processo de execução do referido projeto, pode-se dizer que os materiais que serão aqui utilizados foram “(...) escritos (...) por aqueles que testemunha[ra]m (...) os eventos que descreve[ra]m” (May, 2004: 210-211).


1. Os desafios trazidos pelo encontro das abordagens hermenêutica e territorial


As localizações espaciais das interações socioculturais e dos processos socioeconômicos e políticos levam uma parte das Ciências Sociais a se dedicarem quer no plano teórico quer no metodológico aos estudos que valorizam, sobremaneira, a abordagem territorial.4 Num exercício de hermenêutica de mão dupla, como indica Anthony Giddens (2010), observa-se que, de modo simultâneo, os cientistas sociais e os técnicos graduados de organismos internacionais passam a utilizar com frequência a noção de território, muitas vezes como sinônimo de organização social, econômica e política local. Tal noção é utilizada também por ativistas, militantes e elaboradores de relatórios e documentos que visam tecer diagnósticos e prognósticos para as mais diversas regiões do mundo.

Tais elementos indicam que “um exame detalhado da gênese dos conceitos pode ser de grande valia para o diagnóstico sociológico das transformações sociais mais amplas, em relação às quais o sentido das palavras se altera e novas definições entram em cena” (Elias, 2006: 171). Ocorre assim o que Giddens denomina de hermenêutica de mão dupla, onde se percebe a existência de um trânsito, do explicar e do compreender, que vai do campo das proposições de diagnósticos e prescrições para o campo das ações. A aplicação da dupla hermenêutica, como procedimento metodológico, é, grosso modo, uma forma de desvendar como os conhecimentos, produzidos nas várias instâncias sociais, são apropriados e modificados por diversos atores. Nesse processo de apropriação e modificação, alteram-se as percepções, as representações, as disposições e a consciência prática e a discursiva (Ferreira, 2005). Nesse caso, a pesquisa social deve situar-se, simultaneamente, em quatro níveis:5 “1) Elucidação hermenêutica de redes de significado; 2) Investigação do contexto e forma de consciência prática; 3) Identificação de limites da cognoscitividade; 4) Especificação das ordens institucionais” (Giddens, 1989: 266).

Não é possível fazer um apanhado geral do debate acerca da dupla hermenêutica como teoria da interpretação que exige a explicação e a compreensão, conforme sugeria Paul Ricouer (1998; 2000), nem mesmo seguir todos os passos de Giddens (1989) em sua proposta de conhecimento sociológico assentado na geração de procedimentos metodológicos, denominados como dupla hermenêutica, capazes de “criar um quadro ontológico para o estudo das atividades sociais (...)” (Ferreira, 2005: 51). O que, de fato, esse quadro ontológico busca? “Uma investigação conceitual da natureza da ação humana, das instituições e das inter-relações entre ações e instituições” (Ferreira, 2005: 51)

Conquanto este estudo não tenha como objetivo formular um quadro ontológico dos diagnósticos, prescrições e ações participativas desenvolvidas numa dada territorialidade específica, no interior de um projeto, o SEMILLAS,6 na região interandina do Equador, se percorrerá, de forma, ora mais ora menos aprofundada, os quatro níveis indicados logo acima por Anthony Giddens (1989).

As organizações da sociedade civil, os organismos internacionais (tais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD; a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, entre outros) são influenciados pelas Ciências Sociais7 e estas recebem também influências das reinterpretações que os elaboradores dos documentos e dos relatórios desses organismos internacionais fazem, ao tentar construir diagnósticos e prescrições diversas. “(...) os conceitos e teorias inventados pelos cientistas sociais entram e saem do mundo social (...). As (...) ideias das Ciências Sociais, se quiserem ter alguma influência na realidade que precisam capturar, tendem a ser apropriadas e utilizadas pelos próprios atores sociais” (Giddens, 2010: 155).    

Pode-se dizer que a noção de território e a abordagem epistemológica territorial derivaram de amplo fundo social de conhecimento do qual participaram indivíduos e grupos sociais diversos. Elas derivaram de “uma teia tecida pelas ações de muitos indivíduos” (Elias, 1999: 161). E, merece destaque o fato de que o modo de vida das populações originárias na América Latina e a forma como produzem sua vida material e imaterial, geralmente circunscrita a espaços territoriais específicos como lócus de cultura, identidade e produção sustentável, formaram também um conjunto de ações, procedimentos e perspectivas cognitivas que, de forma explícita ou não, dialogam com a formação dos diagnósticos e das prescrições voltados para as territorialidades específicas.

 Sendo assim, tanto as Ciências Sociais e Humanas quanto os técnicos graduados têm suas abordagens territoriais derivadas não somente do avanço das pesquisas científicas, mas também da “interpenetração das ações de inúmeras pessoas” (Elias, 1999: 161). Os que vivem em territorialidades específicas possuem epistemes, racionalidades, conhecimentos, perspectivas, expectativas, que se interpenetraram tanto no conhecimento sociológico quanto no que é produzido pelos diagnósticos e prescrições elaborados no âmbito de organismos internacionais como a FAO, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura) e o PNUD.8 Todavia, é necessário investigar de que modo esse processo de conhecimento por interpenetração pode trazer consequências não favoráveis aos povos originários.  

Ao examinarem-se as abordagens territoriais presentes nos Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDHs),9 nos documentos da FAO, bem como a metodologia empregada pela OCDE10 assentada em indicadores territoriais rurais (Schneider, 2009), observa-se, não obstante prevalecerem modelos científicos, normativos, heurísticos e técnicos filiados às lógicas de pensar e agir eurocêntricos, que, principalmente no caso dos RDHs e da FAO, se bebe, embora de maneira muito incipiente, em elementos derivados das práticas sociais das populações rurais de diversas partes do mundo. Evidentemente, os formuladores dos diagnósticos e das prescrições, encaminhadas pelos organismos internacionais para o mundo rural, pasteurizam ou até mesmo descafeinam11 o sentido da vivência social assentada em significados culturais, econômicos, políticos e sociais derivados de circunscrições territoriais específicas.


2. A abordagem territorial proposta pela FAO no documento Desenvolvimento Territorial Participativo e Negociado (DTPN)      


Os elaboradores do documento da FAO iniciam esclarecendo que a abordagem territorial que utilizaram, está ancorada no fato de que os atores é que definem, com base em espacialidade, identidade, cultura, valores, o que entendem por territorialidade e qual é a sua extensão. Supostamente, aquilo que é abarcado numa dada territorialidade específica acabaria sendo demarcado pelos indivíduos que vivem nesta suposta região, passível de ser identificada por meio de vários indicadores. Está implícito no documento da FAO, o DTPN, que essa demarcação pode ser identificada como o primeiro passo na interpenetração entre os saberes que possuem os atores residentes de uma dada espacialidade com os saberes sistematizados pelos produtores do documento. Tais mesclas de saberes pretendem funcionar como uma âncora sustentadora de uma dada abordagem territorial e como uma maneira de espalhar os procedimentos de uma dada forma de participação negociada.

Note-se que documentos como esses são elaborados mediante pesquisas com as comunidades que se deseja alcançar. Tais estudos e pesquisas são ressaltados pelos técnicos, uma vez que isso gera credibilidade as suas propostas. Eles ressaltam a importância de levar em conta “as relações existentes entre os atores locais e seus territórios, assim como as principais implicações” (FAO/DTPN, 2005: 2) para os diagnósticos e prescrições de ações e estratégias territoriais participativas.  

As estratégias metodológicas de alcance dessas populações são planejadas e levadas a cabo de maneira diversa. E não se pode dizer que a busca por esse tipo de conhecimento capaz de falar diretamente aos grupos diferenciados que habitam as mais longínquas áreas do planeta é uma invenção dos técnicos que estão à frente desses projetos. Esse tipo de saber localizado, situado, contextualizado – que deve servir de base para ações políticas de governos, da sociedade civil, entre outros - tem sido amplamente defendido pelas Ciências Sociais, quer na América Latina12 quer em outras partes do mundo. Rodolfo Stavenhagen (2011: 185) afirma que o debate acadêmico e o não- acadêmico (aquele que se forma pela atuação de agentes atuantes da sociedade civil organizada em torno desse tema) sobre pedagogia multicultural e intercultural migra desses espaços para a UNESCO, por exemplo. Observa-se, em seus escritos, que o ativismo intelectual de comunidades diversas produz diagnósticos e prescrições que são apropriados por instâncias internacionais.    

As estratégias metodológicas expostas pela FAO nesse documento (FAO/DTPN, 2005) foram construídas a partir de oficinas realizadas em vários países e continentes, tais como: Venezuela, Colômbia, Hungria, Tailândia. Os diagnósticos e as prescrições foram, então, compostos das experiências vivenciadas nessas oficinas. Os formuladores desse documento (FAO/DTPN, 2005) extraíam das populações envolvidas nas atividades, organizadas localmente por ONGs13 ou outras agências diversas, os substratos para suas propostas de participação negociada. Isso, no entanto, não garantiu, de modo algum, que os interesses dessas populações locais fossem, inteiramente, atendidos e/ou considerados. Garantiu menos ainda que ocorresse uma dissuasão total dos conflitos ou uma homogeneização dos repertórios, das narrativas, das conversações e das negociações. Ainda assim, a FAO, como agente indutor de mudanças, buscava se assegurar de que algumas metas fossem perseguidas. Está exposto no documento:


Avançando-se para sistemas de produção sustentável, agricultura e desenvolvimento rural, todos os esforços devem assegurar a realização das três metas essenciais: Segurança alimentar, garantindo um adequado e sustentável equilíbrio entre auto-suficiência e autoconfiança; Geração de empregos e renda nas áreas rurais, particularmente para erradicar a pobreza; Conservação dos recursos naturais e proteção do meio ambiente (FAO/DTPN, 2005: 3).  


Encontram-se no documento DTPN da FAO um forte discurso socioecológico condutor da ideia de sustentabilidade e uma narrativa insistente acerca da necessidade de preservar patrimônios agrícolas que seriam chaves não somente para essas localidades, prováveis laboratórios de um desenvolvimento participativo e negociado, mas também para a humanidade como um todo. Busca-se entender o que o projeto SEMILLAS, no Equador, revela acerca dessa suposta busca de preservação e de reconhecimento dos patrimônios agrícolas localizados em regiões longínquas da América Latina. Há, no entanto, que explicar e compreender - isto será feito no subitem sobre o referido projeto – quais são os desafios que emergem de intentos dessa magnitude.


Neste sentido, a iniciativa Sistemas Engenhosos do Patrimônio Agrícola Mundialmente Importantes (SEPAMI), através de seus esforços para promover os sistemas agrícolas locais/indígenas e aumentar a conscientização acerca da importância desses sistemas para a conservação do patrimônio natural, paisagístico e cultural, terá como desafio principal o desenvolvimento de metodologias que favoreçam a conservação das características dos sistemas agrícolas e, ao mesmo tempo, que permitam sua evolução e adaptação às mudanças nos contextos ambientais e socioeconômicos e, principalmente, o desenvolvimento sustentável e a segurança alimentar de suas populações (FAO/DTPN, 2005: 3).


2.1. A estratégia DTPN como solução para as estratégias setoriais e aplicadas de cima para baixo


A primeira questão que vem à mente diante de documentos como esse é a seguinte: Para quem se escrevem documentos como esses? A quem se deseja atingir? A quem se está falando? Com quem se está dialogando?14 No caso desse material, é dito de modo direto quem foram mobilizados para a sua consecução e a quem se deseja atingir.


Este documento é dirigido aos oficiais da FAO e outros profissionais do desenvolvimento, membros de agências internacionais e ONGs. Igualmente, o presente documento pode apoiar ações levadas a cabo por governos em distintos níveis administrativos, bem como orientar ONGs e OSCs [Organizações da Sociedade Civil] para a promoção do desenvolvimento (FAO/DTPN, 2005: 10).


Ao se expor a quem o documento se dirige, tenta-se ressaltar tanto a amplitude do alcance do material como o fato dele ter sido produzido a partir das demandas geradas verticalmente e não horizontalmente. Este tipo de informação, contida no DTPN, teria de ser esmiuçada detidamente, o que não poderá ser feito neste artigo. Isto exigiria uma ampla investigação acerca das demandas aventadas no seio do documento e se elas foram, de fato, postas pelas comunidades que devem ser alcançadas. De todo modo, as narrativas construídas pelos elaboradores devem ser contextualizadas historicamente e politicamente. Tais diagnósticos e prescrições emergem num dado momento em que há uma expansão do entendimento, por parte dos organismos internacionais e de outros agentes, de que há necessidade de descentralizar as decisões. Neste caso, as políticas de governanças, nas quais atuam diversos atores e em diversos níveis de ações e complexidades, ganham terreno.15 Vê-se, nesse material da FAO, uma luta por encarregar não só o Estado, mas também outras instâncias, da solução de diversas questões relacionadas ao desenvolvimento territorial rural. Ganha, então, proeminência, uma estratégia baseada na diversidade de atores, de culturas, de identidades, de interesses, de demandas, de conflitos, de territórios, de negociações em múltiplos níveis, de dinâmicas de aprendizado, de vozes e de complexidades interdependentes de dimensões econômicas e políticas (FAO/DTPN, 2005: 10).  

Em tais condições, os elaboradores do documento insistem na necessidade premente de construir processos de coesão local.  Essa ideia passa a congregar várias outras.  A abordagem territorial, neste caso, tem o fortalecimento dos laços sociais, entre os diversos atores, como essencial. Isso porque “o manejo e o uso dos recursos locais” (FAO/DTPN, 2005: 3) são tidos como exitosos se houver tal coesão. Sem ela, nada seria possível realizar, dizem eles.  

Os elaboradores das estratégias de participação negociada, no âmbito de um dado território, - o qual não era tomado como um dado, mas sim como algo a construir a partir do entendimento dos atores sociais envolvidos num dado projeto - insistiam que todos os agentes envolvidos tinham de estar comprometidos com o fato de “as intervenções [serem] ecologicamente coerentes, economicamente viáveis, socialmente justas e humanas” (FAO/DTPN, 2005: 12). Teriam ainda “de considerar as assimetrias do poder que, por sua vez, são determinadas pelo acesso e controle desigual de recursos e da informação, e caracterizadas por capacidades não similares” (FAO/DTPN, 2005: 12).

Realmente, são muitos os desafios que emergem, numa dada espacialidade, quando se intenta considerar todas essas situações e instâncias de dificuldades relacionadas às diferenças de recursos, de capacidades e de poder. Mas, talvez não seja esse o maior desafio, quando se advoga uma política fundada numa multiplicidade de atores que, no curso de suas ações, estão lutando, como agentes de mudanças, para expandir suas capacidades. O maior repto está situado, sem dúvida, no fato de os atores, chamados a negociar, a pactuar, serem portadores de visões de mundo, de saberes, de conhecimentos e de racionalidades muito distintas, no que diz respeito à relação entre homem e natureza.

As estratégias de DTPN facultam intuir algo relevante acerca da necessidade de expansão de meios que possibilitam levar em conta o saber local, o saber do camponês indígena no processo de constituição de outras lógicas de cooperação internacional. Contudo, não se deve esquecer que todo o processo de cooperação daí derivado pode ser reforçador de assimetrias e não o contrário. O saber milenar dos povos originários não se encaixa, muitas vezes, nesses processos projetados, nesse documento, para o presente e para o futuro. A disjunção ocorre justamente porque os diagnósticos e prescrições genéricas, que podem ser aplicados a muitos contextos e situações, não têm como ajustar-se a todas as vivências que as estratégias metodológicas de DTPN desejam alcançar.  

As prescrições do Setor de Desenvolvimento Rural da FAO, registradas nesse material por ora discutido, são entendidas como adaptáveis a vários contextos sociais e culturais. E, em alguns momentos, transparece um entendimento de superioridade de saberes dos feitores do documento em relação a essas populações rurais que deveriam ser alcançadas pelas estratégias metodológicas participativas e negociadas. Fala-se em elaboração de práticas simples que sejam acessíveis à compreensão dos camponeses.16 Provavelmente sejam estes últimos que tenham de encontrar, no seu repertório particular e a seu modo sofisticado, formas de esclarecer, aos técnicos vindos de outros mundos, o quanto a produção sustentável é complexa. O quanto a vida dos camponeses se confunde com o processo de produzir alimentos, sementes e víveres. Esse modo de viver, sentir, conhecer não é facilmente compreensível aos grupos sociais de paragens distintas e com uma vivência enraizada em outras formas de conceber a existência.  

A estratégia metodológica do documento DTPN é pautada na agregação de interesses como forma de solução de conflitos. Com isso se visa proteger os atores mais frágeis, diga-se, os com maior dificuldade de terem suas vozes ouvidas. Não há dúvida de que grande parte dos desafios oriundos da estratégia participativa brota dessa condição política, uma vez que, pelos sem voz ou pelos que possuem vozes inaudíveis, falarão outros atores cooperativos com a execução de projetos de desenvolvimentos como esses. No documento consta: “(...) a equipe DTPN dirige o processo de conexão entre a comunidade local e outros relevantes atores-chave da área, apoiando um planejamento territorial integrado e oferecendo valiosas contribuições aos atores do desenvolvimento municipal e provincial” (FAO/DTPN, 2005: 15).

 Note-se que há uma preocupação ingente da FAO – isto é visto também em outros organismos internacionais que operam com projetos similares como o PNUD e a UNESCO - com as estratégias de comunicação dos objetivos a serem perseguidos e dos encaminhamentos a serem feitos por atores diversos. As prescrições se apoiam numa lógica de ação baseada não na situação de vivência enraizada de um tipo de agente específico que vive no mundo rural, mas sim na situação dos demais agentes que se congregam operativamente para a execução dos projetos de participação negociada que visaria alcançar a conscientização dos segmentos envolvidos numa dada territorialidade específica. Ao que parece a conscientização seria a dos camponeses, mas pode-se, em muitos casos, perguntar: Quem, realmente, deve ser objeto de conscientização? Num processo, de fato, participativo, todos os agentes deveriam ser alcançados, até mesmo aqueles que desenvolvem as ferramentas, os métodos participativos de facilitação do diálogo. Mas, geralmente, não é assim que ocorre. Prevalece a visão de que o outro, o objeto da intervenção, que não é tomado como sujeito, é o que deve ser conscientizado.

 

O fortalecimento de colaborações com organizações da sociedade civil contribuirá para otimizar as forças, o conhecimento e as energias e capacidades disponíveis. A construção de uma estratégia sistêmica baseada na identificação e a utilização de ferramentas e estratégias para a Comunicação do Desenvolvimento podem estabelecer um marco operativo neste processo. Neste caso, as ONGs e OSCs desempenham uma importante função na análise, divulgação e intercâmbio de informação, graças a sua experiência direta de campo, quando a FAO, como organização internacional, pode atuar como facilitadora do diálogo entre a sociedade civil e os governos nas arenas nacionais (além de regionais e locais) e intergovernamentais. Portanto, as ferramentas e métodos participativos da estratégia DTPN são instrumentos técnicos e de construção de conscientização (FAO/DTPN, 2005: 15).


3. O Projeto SEMILLAS:17 O que ele revela sobre as prescrições, planejamentos e execução dessas estratégias metodológicas DTPN?18


Entre setembro de 2014 e julho de 2017, executou-se o projeto SEMILLAS, o qual objetivava alcançar a: “incorporação do uso e conservação da agrobiodiversidade em políticas públicas por meio de estratégias integradas e implementação, in loco, em quatro regiões geográficas alto andinas”. O projeto foi elaborado pelo INIAP,19 MAGAP,20 Heifer -Equador21 e FAO22 e foi financiado pelo GEF23. Foi um financiamento voltado especificamente para entidades estatais. A presença da ONG visava atender a uma exigência particular da convocatória, a qual exigia a participação de atores da sociedade civil.

O projeto foi executado em três regiões interandinas. Os critérios de seleção foram estabelecidos pelo Instituto Nacional de Investigaciones Agropecuarias - INIAP, com base na identificação de áreas com maior variedade e variabilidade da agrobiodiversidade nativa, em produtos fundamentais para a soberania alimentar do país.

Como justificativa do projeto reconhece-se tanto a importância da agrobiodiversidade para a segurança alimentar, como o grave problema que representa sua perda acelerada nas últimas décadas, observando-se que, apesar da riqueza genética e do valor socioeconômico da agrobiodiversidade equatoriana, esta última enfrenta ameaças significativas, entre as quais citam-se as mais importantes: a) a adoção de sistemas de produção especializados e pouco diversificados; b) abandono do meio rural; c) mudanças nos padrões alimentares; d) a tendência preferencial, nos mercados e nas empresas comerciais, para produtos homogêneos; e) a destruição de florestas e outros ecossistemas pela extensão da fronteira agrícola.24

O projeto SEMILLAS definiu um Objetivo Ambiental Geral: Integrar o uso e conservação (ex situ e in situ) da agrobiodiversidade nas regiões andinas de Loja, Chimborazo, Pichincha e Imbabura, no Equador. Visava-se, assim, contribuir para o manejo e resiliência sustentável dos agroecossistemas na região, ou seja, dos Andes.25

Havia, ainda, como objetivo de desenvolvimento, aumentar e melhorar a oferta de bens e serviços da agricultura, contribuir para a segurança alimentar e reduzir a pobreza rural. Para atingir essas metas o projeto organizou suas ações em torno de três componentes: 1) Incorporação da agrobiodiversidade nas políticas públicas; 2) Expansão de boas práticas na conservação e uso sustentável da agrobiodiversidade in situ e ex situ; e, 3) Educação e conscientização sobre o assunto para professores e consumidores.

Em sua seção declarativa, o projeto reconhece o valor da diversidade agrobiológica produzida nas chácaras camponesas e indígenas, a potencialidade de resiliência dessas áreas agrícolas nas mudanças climáticas, sua contribuição para a manutenção da fertilidade do solo e polinização e para a qualidade da nutrição das pessoas, que as cultivam, e o controle de pragas e doenças.

O projeto destaca, também, a importância do conhecimento indígena e camponês e declara que promoverá o diálogo entre os diversos saberes. Isso, no entanto, contrasta progressivamente com os mecanismos de execução do projeto e os resultados a serem alcançados, cuja ênfase está na institucionalização de certas atividades por meio de: a) estabelecimento de normativas em diferentes níveis do Estado; b) transferência de tecnologia; c) padronização de formas de cultivo em chácaras ("boas práticas") e atividades que gerariam renda para as famílias.

Durante a fase de formulação do projeto, as organizações “beneficiárias” não estariam envolvidas. Camponeses e povos indígenas foram considerados objeto das mudanças que as equipes técnicas institucionais desenvolveriam tendo em vista o projeto SEMILLAS.


3.1. Incorporação da agrobiodiversidade nas políticas públicas


A partir de uma abordagem territorial, é, sem dúvida, estratégica a inclusão dos tomadores de decisão e de entidades de políticas públicas que contribuam para institucionalizar e apoiar ações favorecedoras, neste caso, da produção fundamentada na agrobiodiversadade camponesa e na segurança alimentar.

Isso implica, no entanto, levar em conta várias considerações, tais como: o âmbito territorial alcançado; a vontade política dos tomadores de decisão, nessa área; o tempo necessário para posicionar uma questão entre os atores e a geração de acordos (e, idealmente, consenso); o envolvimento de atores que possam fornecer informações relevantes para a tomada de decisão; a sincronização do tempo entre as instituições para garantir uma boa coordenação de processos; e, acima de tudo, a participação dos sujeitos beneficiários de uma determinada política. Todas elas, questões metodológicas básicas que a DTPN apresenta detalhadamente.

No caso do projeto SEMILLAS, o componente de políticas públicas englobou um leque de ações que visavam atingir o âmbito26 cantonal,27 provincial e nacional. E, ao mesmo, tempo, seriam também elaboradas leis e normas, bem como estratégias de planificação e programas de ação, em abrangência nacional e local.

Todos os programas envolveram, na coordenação, funcionários públicos desses níveis e, na negociação política, representantes eleitos de diferentes tendências políticas, tanto em nível nacional, como no provincial e no municipal (cantonal). Ou seja, um componente com resultados esperados altamente ambiciosos, ainda mais se considerarmos que o tempo de execução efetivo foi de pouco mais de dois anos.

Reconhece-se que o contexto social, em que o projeto foi inserido, correspondia a um momento de reforma institucional do Estado equatoriano em todos os níveis, havia uma situação que favorecia a ocorrência de políticas como essas e que, por outro lado, a associação da execução do projeto foi composto por delegados do Ministério da Agricultura-MAGAP e INIAP, entidades diretamente responsáveis ​​por facilitar e estabelecer programas e políticas sobre o tema.

Também é fato que esses fatores favoráveis eram insuficientes, dada a quantia de acordos, negociações, diálogos institucionais e coordenação logística, de tempo e de abordagens que deveriam ser realizadas a fim de gerar políticas territoriais rurais para os camponeses indígenas.

Mas, a mais séria omissão foi a não-participação direta de organizações sociais e comunitárias ou, pelo menos, de seus delegados, tanto no desenho da proposta como na negociação de políticas e programas, ignorava-se, assim, completamente, a recomendação mais importante das diretrizes da DTPN.

Quanto mais afastadas da realidade camponesa fossem as definições dos critérios de execução das ações, mais difícil seria a sua execução, já que os critérios não foram gerados de baixo para cima. Este é o caso do projeto SEMILLAS, cujo financiamento e propostas de ação estavam predeterminados pelas diretrizes do GEF (Fundo Mundial do Meio Ambiente). Foram essas diretrizes, e não outras, que organizariam toda a execução do projeto. Podemos pensar na existência tácita de uma preferência na aplicação de uma gama de diretrizes que a FAO deveria seguir.

No caso do projeto, prevaleceram as ordens do GEF, incorporando-se, posteriormente, critérios territoriais para promover a aplicação das boas práticas agrícolas e deixando-se em aberto a possibilidade, no caso em que as condições concretas de execução assim o permitissem, de promover os saberes camponeses locais nos macrossistemas dos engenhosos sistemas agrícolas locais e comunitários. O evidente abismo entre as prescrições e a execução concreta se expressava na ampla distância que havia entre os interesses e as expectativas de atores técnicos e das comunidades camponesas e indígenas.

Em relação ao componente de política pública, houve somente um momento de participação direta das organizações camponesas, quando se estimulou a criação de leis28 por parte dos governos locais, para promover e favorecer a produção agrícola local, majoritariamente indígena e agroecológica, institucionalizando-se a realização tanto de feiras de intercâmbio de sementes como de feiras semanais de produtos agrícolas.

Ainda que as propostas gestadas nas organizações de produtores tivessem encontrado fortes resistências entre as equipes técnicas das instituições locais, os exercícios de intermediação da FAO e da ONG, associada ao projeto, facilitaram a consecução das leis que reconheciam os produtores e suas feiras. As leis não acolhem as demandas das organizações, porém esse reconhecimento legaliza sua existência, ou permite funcionar de forma autogestionária, sem o risco de serem punidas, como infratoras, as organizações, e constitui-se em instrumento de futuras demandas de maior suporte e financiamento.

Nesse caso, a proximidade territorial entre camponeses e gestores de política evidencia o maior potencial de incidência de ações e procedimentos de baixo para acima. O registro documental do projeto SEMILLAS quase não expõe esse fenômeno, mas os fatos permitem demonstrar como as comunidades indígenas são capazes de contar a seu favor, pequenas conquistas a partir de brechas geradas pela ação do desenvolvimento.


3.2. Ampliação das boas práticas na conservação e uso sustentável da agrobiodiversidade

       

Dessa forma, como ampliação das boas práticas, se denominou o componente essencial do projeto, que tratava da recuperação e multiplicação das espécies e variedades nativas, nas chácaras dos camponeses. Conquanto abrangesse a maior parte do financiamento, este era insuficiente para atingir a meta desejada. De igual forma, o prazo de execução era totalmente insuficiente para os processos agrícolas, cujos resultados necessitam, no mínimo, de 5 a 8 anos de acompanhamento.

As metas alcançadas no âmbito das chácaras são significativas, se se consideram o quanto eram adversos os fatores. A consecução dessas metas se deve, principalmente, aos interesses dos camponeses por algumas das ações propostas, não obstante, sem sua participação. Da mesma forma, aquelas ações que eles consideravam lesivas aos seus interesses, não foram executadas do modo previsto pelo projeto. Como observado, embora isso fosse inadequadamente registrado na documentação, as decisões comunitárias, a respeito do que delas esperava o projeto, mostraram sua potencialidade, apesar da atribuída subalternidade, de manter suas decisões autônomas em defesa dos seus princípios e interesses.

Resumidamente, entre as diversas ações, seriam feitas as coletas no campo para renovar material genético no “Banco de Germoplasma” estadual; realizariam “levantamentos comunitários” de agrobiodiversidade, distribuiriam as sementes nativas aos camponeses para seu cultivo e reprodução, o que seria feito com assistência técnica. Entre as atividades estava também o fortalecimento das feiras locais agroecológicas camponesas. Isto visava favorecer a formação de Sistemas Participativos de Garantia-SPG’s;29 procuraria, ainda, consolidar as iniciativas de transformação de produtos e agroturismo como alternativas de renda.

Os levantamentos de agrobiodiversidade constituem um tema polêmico no que diz respeito aos debates de propriedade intelectual, tanto as organizações camponesas como as indígenas têm adotado a posição de rejeição permanente nos diferentes foros internacionais. No caso do projeto analisado, essa rejeição foi expressa desde as primeiras reuniões de socialização.

Para executar essa atividade, as comunidades deviam assinar convênios de aceitação. Em resposta, todas as comunidades e organizações, sem exceção, adiaram a assinatura desses convênios, alegando múltiplos motivos para não se comprometerem. Elas colocavam também obstáculos para algumas tentativas de obtenção de informação (nas datas fixadas, não se apresentava ninguém, ou não se entregavam os formulários). Finalmente, recusaram-se, abertamente, a assinar os convênios e a fazer levantamentos. Essa forma de resistência é uma das mais antigas utilizadas pelos indígenas em sua relação com as autoridades; assim a decisão da assembleia adquire característica indelével.

 Para entender melhor como funciona, na prática, essa interação dos projetos de desenvolvimento com as comunidades, deve-se saber antes que se trata de uma situação onde prevalecem a oralidade e os usos e costumes. Os técnicos, no campo, se encarregam de transmitir as demandas do projeto aos dirigentes das organizações e/ou comunidades, os quais, por sua vez, convocam assembleias extraordinárias, onde se discutem se essas demandas têm, ou não têm, importância e que implicações podem ter. Examina-se se o esforço e o tempo que as famílias vão destinar às atividades de colaboração se justificam em relação aos benefícios que possam proporcionar.

As comunidades avaliam também, se a solicitação dos projetos representa uma ameaça ou uma exigência injustificada. De acordo com as conclusões, às quais a assembleia chegue por unanimidade, é enviada uma resposta por meio dos técnicos de campo. Os técnicos, por sua vez, dificilmente participam desse espaço; algumas vezes, são convidados para explicar o que pretendem realizar, mas logo retiram-se da reunião e esperam uma resposta a ser dada alguns dias depois.

Como se trata de uma prática realizada desde os primeiros projetos de desenvolvimento, ninguém registra o processo, pois “todos sabem como funciona”. Entretanto, é um passo decisivo, porque tudo o que venha a ser feito em um projeto como esse depende de tais decisões. Este é um momento no qual “a bola entra no campo comunitário” e aí seus membros detêm um poder significativo.

Foi, também, através da assembleia comunitária que as famílias das distintas regiões do projeto resolveram envolver-se na recuperação e multiplicação da agrobiodiversidade perdida nas chácaras, desenhando alternativas viáveis diante dos obstáculos logísticos e administrativos, que se apresentavam na execução, para conseguir as sementes e insumos requeridos - não de casas comerciais mas, sim, de chácaras campesinas30 - e efetuar a distribuição entre as famílias.

Graças a essa decisão, 3.800 famílias cultivaram 1.500 hectares com diversidade nativa, ao longo de 2 anos efetivos de execução do projeto. Aceitavam participar do projeto, sempre que pudessem reproduzir suas sementes e suas práticas. Os recursos do projeto permitiram melhorias (recuperar sementes, conhecer e aplicar novas e ancestrais técnicas agrícolas, melhorar as condições de comercialização) segundo os princípios de cuidado da “ashpamama” (a terra de cultivo que faz parte da Pachamama). Permitia-se, ainda, multiplicar as sementes nas regiões onde elas estivessem sendo perdidas.

Portanto, em que pese a relação assimétrica exposta, muitas definições técnicas tiveram de ser modificadas por exigência das comunidades. Podiam estas não ter sido consultadas na etapa de formulação, mas deviam ser ouvidas no momento da execução. Sendo assim, a assistência técnica que deveria ser dada pelo Ministério da Agricultura e pelo INIAP, foi vetada pelas organizações; os relatórios de capacitação descrevem em poucas linhas, porém de forma firme, a rejeição das comunidades à transferência de um pacote tecnológico da chamada “revolução verde”.

A grande maioria das comunidades envolvidas no projeto tinha participado de processos de recuperação de saberes ancestrais e de formação agroecológica, de modo que consideravam absurdo receber capacitação que não acrescentava nada de novo31: “Todo el mundo necesita del agricultor, antes que del ingeniero, y somos nosotros quienes garantizamos la calidad de la semilla, porque sabemos cómo crece, cómo se la cuida,” (Salcedo, 2015: 2).

Como Rivera Cusicanqui (2010) afirma, para os andinos, a palavra é atributo particular do humano, concedido pelo universo, é sagrada e, portanto, o que diz guarda concordância com o que designa; por isso neste projeto, as comunidades, ao executar seu trabalho, estavam pensando realmente nas boas práticas.    

 Em contrapartida, a definição de boas práticas agrícolas da FAO está de acordo com critérios do livre mercado. Seu critério primordial é a competitividade, porém, se tenta estabelecer práticas agrícolas que evitem a erosão do solo, a contaminação da água, o desmatamento, entre outros processos de deterioração ambiental. Para isso, o Estado deve exigir que as chácaras tenham certificações orgânicas e de boas práticas, tais como: o rechaço do trabalho infantil e do uso de produtos químicos de alta toxicidade (FAO, 2004: 4).

 O resultado dessa discussão mostra que a capacitação técnica mudou radicalmente para uma dinâmica de camponês para camponês; os recursos do projeto se destinaram a facilitar a presença de camponeses, homens e mulheres, reconhecidos pelo bom manejo agrícola e pecuário. Foram eles que, no seu idioma próprio e de forma prática, ministraram o conhecimento às comunidades.

Algo semelhante ocorreu com a formação dos SPG’s32 e com as decisões que foram tomadas para fortalecer as feiras locais de produtos agroecológicos. Em todos esses casos, o poder comunitário se expressou fazendo uso de suas próprias redes de alianças, através de coletividades de produtores, de organizações indígenas, de ONGs, etc. de uma perspectiva diferente e em algumas ocasiões, antagônica em relação às instituições gestoras.

Pouco ou nada decidiram os gestores a respeito da distribuição das sementes e insumos, das espécies e variedades, que em cada região se definiram como prioritárias, a respeito dos critérios de seleção das famílias e dos compromissos de reciprocidade, que elas adquiriram com a comunidade, a respeito de quem participaria das diferentes capacitações e de quais associações receberiam insumos e equipamentos para o melhoramento de suas feiras. Tudo isso visava atingir o componente 2 do projeto, que foi totalmente assumido pelas comunidades e levado ao âmbito da ação territorial e participativa, por iniciativa própria.

Em sua execução, o projeto pouco contribuiu para a construção do diálogo entre técnicos institucionais e camponeses; os acordos foram alcançados através de tensões em relações de poder que não se modificaram.


4. Considerações Finais


 Não é possível pensar em um enfoque territorial sem se levar em conta as demandas de desenvolvimento dos próprios atores locais, durante todo o processo de intervenção. Um discurso participativo nos documentos e sem a participação de fato constitui-se em um ato de substituição, que encontrará resistência nas comunidades. Além disso, exige tempo suficiente para posicionar temas, estudos, que facilitem o diálogo entre os diferentes sujeitos do território. Requer, finalmente, capacidade e vontade política dos gestores para intermediar e criar acordos, o que não é o caso do projeto em questão.

Explicar visões tão diferentes dos resultados alcançados pelo projeto é possível somente a partir de uma discussão constante de significados que as comunidades expõem, apesar da subalternidade que lhes é atribuída na qualidade de beneficiários do desenvolvimento. As contradições irreconciliáveis apresentadas no início se mantiveram ao longo da execução e a despeito do poder coercitivo dos sistemas administrativos e de gestão dos projetos de desenvolvimento. As comunidades, uma vez mais, conseguiram tirar proveito daquilo que entenderam não apenas útil, mas até necessário, mas sempre sendo julgados em desvantagem, segundo o pensamento colonialista e racista do desenvolvimento.

Um dos principais produtos criados pelo Projeto SEMILLAS, foi a aprovação de uma lei de sementes que, em essência, se alinha com as leis UPOV,33 ou seja, uma lei que prejudica, abertamente, as organizações camponesas e indígenas. Atualmente, essa lei está sendo impugnada na Corte Constitucional do país, com processos apresentados por ONG´s e organizações indígenas e camponesas, muitas das quais participantes do Projeto SEMILLAS. Para os camponeses, semear as próprias sementes é um ato quotidiano e vital, ao qual não renunciaram nem sequer por imposição legal: “Cómo pueden decir que son mejores esas semillas “capadas”, dichas mejoradas, que no vuelven a germinar, qué no se sabe de dónde vienen, quién produjo (…) el agricultor debe saber cómo vino su semilla y cuidar que no se vaya” (Memoria, 2015: 6).


Nunca se terminarían las semillas nuestras si están regadas por todas partes y los campesinos no dejan de sembrar; así, si se acabara en Chimborazo, habría en La Esperanza y así...  No debería ser necesario guardar, si todos siembran siempre en todos los lugares (Ponce, 2017: 24).


Em relação aos resultados do projeto, camponeses e técnicos executores tiveram perspectivas diametralmente distintas. Para os primeiros, na oficina de avaliação qualitativa (PONCE, 2017), o mais valioso do projeto foi recuperar as variedades perdidas, aprender novas técnicas agroecológicas, estar entre as comunidades para somar conhecimentos e para conhecer- se e capacitar-se para incidir nas leis provinciais e cantonais (municipais). Para os camponeses, o maior problema enfrentado foi estabelecer relação com as instituições públicas, ou seja, as executoras do projeto, que foram consideradas pouco sérias no cumprimento dos compromissos.

Por outro lado, o documento referente às metas atingidas e aos processos de aprendizagem, elaborado pela coordenação do projeto, insiste que o êxito principal se obteve com as normas e políticas nacionais por ele criadas, incluindo-se o apoio à aprovação de uma lei de sementes. Deve-se destacar, no entanto, que esta lei tem artigos lesivos à agricultura familiar camponesa (tais como restringir a troca e venda livre de sementes nativas e crioulas, a obrigação de certificá-las, a abertura anticonstitucional para sementes transgénicas, entre outros). Entre os problemas destacados, nesse documento, estão: a suposta pouca capacidade dos camponeses para cuidar e multiplicar as sementes (assinale-se que muitas famílias comeram as sementes dadas), o suposto baixo conhecimento das variedades locais e a limitada oferta de produtos nativos nas feiras locais, entre outros. Esses tópicos demonstram, uma metódica suspeita e desconfiança sobre o saber camponês e indígena.


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Enviado: 21/01/2020

Aceptado: 27/04/2020



Cómo citar este artículo:



De Rezende, M. J. y Vallejo Aristizábal, M. F. (2020). Enfoque territorial e diretrizes da FAO na execução do projeto SEMILLAS em comunidades rurais do Equador. Otra Economía, 13(23), 47-66.




* Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil.

** Antropóloga. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil.


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2 Marie-Vic Ozouf-Maringnier (2013: 63) afirma que “é no decorrer dos anos 1980 e, sobretudo, dos anos 1990, que vemos a multiplicação do uso da expressão território no conjunto das Ciências Sociais”.

3 Sérgio Schneider (2009) e Marie-Vic Ozouf-Maringnier (2013) demonstram que não há uma única epistemologia assentada na noção de território, no sentido de conhecimento e processos cognitivos (Hartmann, 1998: 153), mas várias.

4 Aplica-se, neste caso, o que Ozouf-Marignier (2013: 63) observa também no caso das Ciências Sociais em geral, em que se utilizam “formas lexicais que valorizam ora o espaço, ora a paisagem, ora o território, porém sem precisar suas respectivas acepções”. Não há, muitas vezes, uma preocupação com a clareza da noção de território, que é utilizada de modo genérico muito mais para se fazer referência a processos de ações localizadas.

5 Giddens (1989: 266) enfatiza que a pesquisa social, muitas vezes, se situa somente em um desses níveis, mas pode se situar em alguns deles ou em todos. Isso depende do grau de complexidade da investigação. Contudo, “toda pesquisa social pressupõe um momento hermenêutico, mas a pressuposição pode permanecer latente, [ou então, reprimida]”. Isto é o que ele ensina.  

6 O projeto SEMILLAS foi financiado pelo Fondo Global para o Meio Ambiente (GEF). A execução ficou a cargo da FAO, do Ministério da Agricultura e Ganaderia de Equador, do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária e de uma ONG equatoriana (Heifer-Equador) ligada a Fundação Heifer. Esta Fundação volta-se para a implantação de políticas de desenvolvimento rural sustentável.  

7 Somente a título de exemplo, informa-se que os cientistas sociais J. Coleman (1998); O. Fals Borda (1988), J. P. Jacob (2002) e M. Weber (1995) fazem parte da bibliografia deste documento da FAO em análise (FAO/DTPN, 2005).

8 Zincke e Gonzales (2006) ao discutir os impactos dos RDHs fazem uma discussão sobre como estes documentos são, hoje, produtores de conhecimento.

9 Os RDHs (PNUD/RDHs, 1990; 1997; 2002; 2010; 2014) e os RRDHs (PNUD/RRDH, 2009-2010, 2010, 2013-2014; 2016 e o PNUD/RDHM, 2009-2010) são documentos encomendados, encampados e divulgados, desde 1990, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Eles não são os únicos documentos nos quais se tenta aplicar uma forma de abordagem territorial como gestão local. A coletânea intitulada Convivência e Segurança Cidadã (PNUD, 2016), a qual tem como subtítulo: Guias de gestão territorial e participativa, busca formular diretrizes metodológicas para a formulação de ações em territorialidades específicas, busca também fazer diagnósticos e prescrições de políticas locais de combate à violência. Nesse documento, a noção de território é empregada para designar ações locais.

10 “Nos parâmetros estabelecidos pela OCDE, a região compreende unidades territoriais maiores que as definidas para as unidades locais, sendo observado para tal feito as configurações regionais de cada país” (Schneider, 2009: 26).

11 Esta ideia de descafeinar, como uma forma de extrair a essência de algo (de uma ideia, de um conceito, de uma proposição, de um diagnóstico, de uma prescrição, etc.) foi retirada de Zincke e Gonzales, 2006.  

12 Os escritos de Rodolfo Stavenhagen (2011), de Alberto Guerreiro Ramos (2009), de Orlando Fals Borda (2015; 2014; 2007), de Pablo Gonzales Casanova (2007; 2007ª.) e de Aníbal Quijano (2014; 2005; 2002) podem ser citados como exemplos da defesa de saberes pautados nas singularidades das relações e das percepções derivadas das vivências em condições de subalternidade, de opressão, de colonialidade e de exclusão vigente na América Latina. Ainda que seus objetivos fossem distintos, suas proposições foram assimiladas pelos construtores da proposta de DTPN.  

13 Na Venezuela, representantes das ONGs da Coalizão Internacional para Acesso à Terra (ILC) participaram da organização dessas oficinas.

14 Estas perguntas estão inspiradas nas discussões postas por Claude Lefort (2000) acerca dos organismos internacionais e suas atuações.  

15 Sobre os processos de governança territorial como “articulação de atores sociais, económicos e institucionais em redes de poder socioterritorial”, ver: Dallabrida, 2015.

16 “É necessária simplicidade e uma modalidade prática para que o processo seja facilmente compreendido e para se permitir uma implicação direta dos atores em cada fase” (FAO/DTPN, 2005: 13).

17 Uma das autoras deste artigo (Maria Fernanda Vallejo) trabalhou em uma ONG que esteve presente na associação interinstitucional para a execução deste projeto. Na condição de partícipe do projeto
como delegada pela ONG para realizar as atividades previstas, é que ela faz as considerações sobre a implantação e execução da proposta. O Item 2 foi construído, por ela, a partir de sua observação participante, o que exigiu a análise ex post de relatórios de treinamento, relatórios de oficinas e reuniões diversas, bem como, reflexões acerca dos estudos de avaliação da produção camponesa e de suas feiras para venda de seus produtos.  

18 A síntese descrita aqui vem do documento do projeto: FAO. Global Environment Facility Project Document. (2012)

19 INAP – Instituto Nacional de Investigaciones Agropecuárias.

20 MAGAP – Ministério da Agricultura, Gado e Pesca.  A partir de 2018 esse ministério se denomina Ministério de Agricultura e Gado -MAG.

21 Nome de uma ONG ecuatoriana, sem fins lucrativos, que trabalha, principalmente, em temas de desenvolvimento rural, agricultura sustentável e cuidado com o meio ambiente.

22 FAO- Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

23 GEF – Fundo Mundial do Meio Ambiente

24 Nota-se, no discurso, uma alusão à inexistência de sujeitos com capacidade para intervir e evitar tais ameaças.

25 O projeto foi desenvolvido em um microcentro de biodiversidade na região interandina do Equador (entre 2.200 e 3.800 metros acima do nível do mar), em comunidades camponesas-indígenas rurais, da língua Kichwa.

26 O âmbito Cantonal é algo equivalente, no Brasil, a um espaço político-geográfico municipal (Isto é, o território mais imediato onde as organizações e comunidades rurais se desenvolvem).

27 O Equador é um “país unitário dividido em 24 províncias, 221 cantões e 1228 parroquias urbanas (412) e rurais (816). (...). No nível cantonal, serão eleitos alcaldes como autoridades locais. Os Conselhos Cantonais são os entes coletivos do governo municipal, formados por diferentes números de concejales (vereadores), de acordo com o tamanho da população. No nível territorial menor – as parroquias – se elegem as Juntas Parroquiales no âmbito rural, conformadas por 5 membros independentemente do tamanho da população paroquial” (CEPAL/OIG. Equador - Sistema político e eleitoral, 2018)

28 No Equador essas leis de âmbito local, municipal (Cantonal) ou provincial são denominadas ordenanças.

29 A ordem inicial do GEF indicava a certificação da semente, mas as organizações se recusaram a certificar a semente e propuseram certificar a produção que se comercializava nas feiras, na modalidade de Garantia Participativa, evitando cair nos circuitos privados de certificação.  

30 As estruturas administrativas das instituições estatais e multilaterais estão desenhadas de tal modo que atendem a suas formalidades somente os grandes fornecedores - nesse caso -  as grandes casas comerciais de sementes e insumos. Os requisitos burocráticos e legais constituem verdadeiros labirintos que impossibilitam aos pequenos produtores camponeses vender sua produção nos circuitos de compras públicas.

31 As comunidades identificadas para receber a intervenção do projeto caracterizam-se pela forte manutenção de seus saberes ancestrais. Em seus territórios há muita agrobiodiversidade. Porém, não se deve ignorar a existência de comunidades que, por vontade própria, ou forçadas pelas circunstâncias, adotaram o pacote tecnológico convencional.  

32 SPG'S - Sistemas Participativos de Garantía (de confianza).

33 UPOV - Unión Internacional para la Protección de Obtentores Vegetales.