Performance, teatralidade e jogo como operadores analíticos das dramaturgias de “surtos midiáticos” em carreiras artísticas

Lívia Maria Pereira*

RESUMO: Este trabalho objetiva analisar a dramaturgia de "surtos midiáticos", episódios de sofrimento que se tornam ativo na gestão da imagem pública de um artista. Aposta-se na conceitualização destes como fatos de ordem privada que emergem para o público e criam narrativas midiáticas em intenso processo de espetacularização, instaurando dramas sociais (Turner, 1982) que impactam a percepção pública sobre os sujeitos. Apropria-se da noção de teatralidade como lente metodológica para análise de fenômenos e objetos em contextos midiáticos (Soares, 2021), propondo pensar a gestão de uma carreira artística como um Jogo (Huizinga, 2000; Caillois, 2017) para compreender como a erupção do inusitado (re)organiza as regras da indústria fonográfica, na qual a “vida real” é, atualmente, um dos principais commodities de artistas e celebridades na construção de suas carreiras e os enlaces autobiográficos dispostos na obra fio condutor na produção de sentido de produtos artísticos, como músicas e videoclipes (Soares, 2022).

Palavras-chave: Performance. Teatralidade. Jogo. Drama Social. Surto Midiático.

ABSTRACT: This article analyzes the dramaturgy of “mediatic outbreaks”, episodes of suffering that become active in the management of an artist’s public image. The focus is on conceptualizing these as private facts that emerge to the public and create media narratives in an intense process of spectacularization, creating social dramas (Turner, 1982) that impact public perception of the subjects. We approach the notion of theatricality for analyzing objects in media contexts (Soares, 2021), proposing to think of the management of an artistic career as Play (Huizinga, 2000; Caillois, 2017) to understand how the eruption of the unusual (re)organizes the rules of the music industry, in which “real life” is currently one of the main commodities for artists and celebrities in building their careers and the autobiographical links are a common thread in the production of sense of artistic products, such as songs and music videos (Soares, 2022).

Keywords: Performance. Theatricality. Play. Social Drama. Mediatic Outbreak.

1. Introdução

Estamos em 2024 e o ano de 2007 continua a ser lembrado como o “ano de Britney Spears” – ou melhor: o ano do surto de Britney Spears1. Há 16 anos, a popstar marcou aquele ano na memória da cultura pop ao vivenciar uma turbulenta fase na sua vida. Porém, a história a ser contada sobre esses episódios que marcaram a vida de Britney, assim como sua carreira, tem início em 20062, quando foi flagrada dirigindo com seu filho de apenas 4 meses no colo. Essas fotos são frequentemente citadas como o ponto inicial para uma série de eventos que se sucederam e que, eventualmente, levaram a cantora ao ‘colapso mental’ em 2007. No período de um ano que decorreu entre a publicação de fotos em que aparece dirigindo com o filho de 4 meses de idade no colo e o seu “colapso público” mais famoso, no qual atacou o carro de paparazzi após ser fotografada raspando o cabelo em um salão de beleza em fevereiro de 2007 (Souza, 2023), cada passo de Britney foi minuciosamente documentado e amplamente disseminado, transformando sua vida pessoal em um espetáculo público que movimentou um mercado milionário, como pode ser visto a partir de alguns números divulgados:

A agência de fotos X17 estima que Britney corresponde a 30% de seus lucros. Apenas em 2007, a X17 vendeu o equivalente a US$ 2.5 milhões em fotos de Britney, incluindo os US$500 mil pelas fotos exclusivas do incidente da cantora raspando a cabeça. [...] Entre janeiro de 2006 e julho de 2007, Porfolio reportou que Britney foi o assunto de capa da People, Us Weekly, In Touch, Life & Style, OK! e Star 175 vezes em apenas 78 semanas, sendo responsável por US$ 360 milhões em vendas. (Kaufman, 2008)

Portanto, em 2007, Britney já estava há mais de 10 anos trabalhando na indústria do entretenimento como um grande nome da música pop. Tendo iniciado sua carreira em 1992 no canal Disney Channel, a artista assinou em 1997, aos 15 anos, com a gravadora Jive Records e emplacou na sequência seus dois primeiros álbuns ...Baby One More Time (1999) e Oops!... I Did It Again (2000). Ambas as gravações quebraram recordes de vendas, acumularam números superlativos e receberam aclamação da crítica, rendendo à Britney a alcunha de “princesa do pop”, além de suas primeiras indicações ao Grammy. Nos anos seguintes, lançou outros dois álbuns de estúdio Britney (2001) e In The Zone (2003), que ajudaram a consolidar seu legado na cultura e na música pop.

Com o sucesso comercial da artista estabelecido, sua vida pessoal também sempre passou a ser alvo de interesse, escrutínio e especulações na mídia, especialmente sobre sua sexualidade, sua capacidade como mãe e, por fim, uma categoria que aparece como um guarda-chuva sob o qual todas as “preocupações” sobre Britney são ancoradas, sua saúde e estado mental. Neste sentido, é entre 2006 e 2008 que se desenrolam acontecimentos que criaram e definiram narrativas que ecoam até os dias atuais, enredando a cantora em discursos que tanto versam sobre sua vida privada quanto sobre seu trabalho, tendo em vista que traços biográficos podem aparecer com frequência em músicas, videoclipes, apresentações musicais, documentários e outras produções artísticas (Soares, 2022). Os relatos dos eventos trazidos neste trabalho foram amplamente explorados pela mídia ao longo dos anos, muito depois de acontecidos, contribuindo para uma série de narrativas especulativas sobre Britney e sua reputação na esfera pública que continuam a reverberar e ingerir pressupostos sobre a imagem da artista. Passadas quase duas décadas, as narrativas em torno do colapso de Britney e, especialmente, sua saúde mental, ainda são disputadas por ela, pela mídia e pela indústria fonográfica. Vale observar que os pressupostos que incidiram sobre Britney se fundamentam em uma cultura misógina que continua a objetificar e patologizar a imagem de mulheres que apresentam comportamentos “desviantes” do socialmente esperado, em especial no que concerne à suas atitudes em relação à sexualidade, casamento, família e maternidade. Essas mulheres continuam sendo frequentemente submetidas a padrões rígidos de comportamento e expectativas sociais, julgadas publicamente por não conformar a esses ideais, resultando em um tratamento cruel que não apenas as desumanizam, mas também a colocam em um ciclo de exploração midiática constante que intensifica o seu sofrimento e adoecimento diante da exploração da vulnerabilidade psíquica especulada para entretenimento.

É sobre esse período que este trabalho se debruça para analisar as dramaturgias do que chamamos de “surto midiático”: episódios em que fatos de ordem privada emergem para a esfera pública, seja de forma espontânea ou intencional, e são capazes de criar narrativas midiáticas que geram intenso processo de espetacularização, instaurando dramas sociais (Turner, 1982) que impactam a percepção pública sobre os sujeitos e se tornam parte indissociáveis de sua biografia e trajetória artística. Destacamos que essa pesquisa tem como objeto de análise os “surtos midiáticos” oriundos do transbordamento de informações privadas para o público referentes a doenças e o sofrimento psíquico. Portanto, se delineia um ponto de partida para entender o “surto midiático”: esses episódios parecem estar inscritos em um contexto de ficcionalização e estetização da vida real cotidiana, no qual as fronteiras entre o real e a ficção se tornam permeáveis, se alinhando a um ethos autorreferente de “espetacularização do eu” (Sibilia, 2016) de forma que as informações de ordem privada se tornam, também, passíveis de espetacularização, estetização e comercialização.

Ora, se pensamos na emergência do “surto midiático” em um contexto de consumo da vida privada, é imprescindível demarcar a compreensão do artista como um produto. O que parece vir à tona é um debate sobre as engrenagens do negócio da indústria da música pop, pois o endereçamento mercadológico em produtos da música pop parece ser fundamental para compreender suas estratégias de fruição e produção de sentido, considerando que a associação entre a lógica mercadológica é parte fundacional do que entendemos enquanto música pop (Soares, 2021a: 46): “um conjunto de produções sonoras e imagéticas feitas “dentro dos padrões das indústrias da música, do audiovisual e da mídia; [...] a partir de orientações econômicas fortemente marcadas pela lógica do capital”.

O reconhecimento da relação entre a música e o capital tangencia as teorias que formam a base do pensamento da Escola de Frankfurt, reconhecidamente críticas a esse imbricamento. Entretanto, esse trabalho se contextualiza a partir dos estudos em Cultura Pop, no qual a identificação das relações mercantis na cultura não inviabiliza a percepção de que os objetos produzidos dentro de padrões da indústria cultural sejam reconhecidos como experiências válidas de investigação, buscando fugir das apreensões demasiadas apocalípticas advindas das teorias frankfurtianas. Neste sentido, também nos alinhamos à uma das retrancas previstas por Turner (2010) para os estudos de celebridades ao buscar aproximação com o objeto com foco para além da elaboração que miram apenas a ideia de representação dessas figuras na mídia, mas, no tratamento da celebridade como “uma indústria e uma formação cultural que possui uma função social” (Turner, 2010: 14).

O debate é amplo, mas, acompanhamos Soares (2021a: 53) em um esforço para “reconhecer brechas na lógica de produção das indústrias da cultura e na cibercultura que permitam o questionamento de ordem estética e cultural destes produtos”. O objetivo em tornar transparente a camada que trata das relações mercantis sobre os produtos tem o intuito de tornar as considerações menos opacas ou essencializantes, reconhecendo que as produções de sentido e subjetividades na música pop também passam pela esfera da publicidade, da criação e do gerenciamento de marcas. Assim, coloca-se em evidência um aspecto fundamental para o entendimento de que, a música pop, é “o lugar dos artistas ‘fabricados’ [...] e de, deliberadamente, entender que estamos diante de performances” (Soares, 2021a: 55).

A partir dessa perspectiva, questiona-se: como analisar o “surto midiático”? Considerando os interesses mercadológicos em torno dos produtos na música pop, incluindo o artista, um primeiro movimento diz respeito ao falseamento das ações: a ambiguidade se torna norte para investigar possibilidades de enquadramento dos atos. Assim, o trabalho se encaminha para uma discussão metodológica em torno da Performance na música pop, ideia compreendida tanto como objeto, quanto como uma lente analítica, se referindo a eventos “que envolvem comportamentos teatrais, ensaiados ou convencionais/apropriados para a ocasião” (Taylor, 2013: 27). Considerando que os estudos de Performance se constroem a partir da uma ampla gama de disciplinas, como o Teatro, as Artes Visuais, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia e os Estudos Culturais, reflexões em torno do conceito centralizador e das ideias afins abrangem um largo espectro das Ciências Sociais e das Artes, considerando não apenas as artes performáticas tradicionais, mas também as performances cotidianas, rituais e outras formas de comportamento humano que podem ser interpretadas como performance.

Na Comunicação, as reflexões sobre Performance ganham uma nuance midiática e debates já são desenvolvidos buscando dar conta das complexas interseções entre mídia, cultura e sociedade (Amaral, Polivanov e Soares, 2018; Soares 2021b). Nesse contexto, os estudos de Paula Sibilia (2015; 2016) se destacam na mirada deste artigo ao fornecer importante análise contextual sobre como profundas transformações nas práticas de auto exposição e autoconstrução de identidade constituem uma mudança nos modos de subjetivação na contemporaneidade. Para a autora, as fronteiras entre o público e o privado estão cada vez mais indiscerníveis, levando a uma constante encenação de si mesmo e da intimidade em uma espécie de “regime da performance”, no qual “muitas ações parecem coreografadas para afetar os outros” (Sibilia, 2015: 357).

A partir desse entendimento inicial, aciona-se um leque de conceitos para análise de ações enquanto performance (Schechner, 2013) no âmbito midiático, a partir do que Soares (2021b) sistematiza em dois protocolos: 1) o estudo de roteiros performáticos, ou seja, o reconhecimento de enquadramentos que organizam ações e produtos midiáticos; e b) o estudo das dramaturgias, que parte do reconhecimento da teatralidade no cotidiano (Féral, 2009) para adotar uma perspectiva dramática na análise de dramas sociais (Turner, 1982), em que atores emergem e são passíveis de interpretação e atuação. Essas retrancas, entretanto, não são estanques, apartadas uma da outra. Ao contrário, se retroalimentam e informam as análises, já que é a partir das clivagens de enquadramentos que podemos compreender as dramaturgias que emergem, assim como é a partir da dramaturgia que acessamos os roteiros performáticos que estão em ação.

Neste artigo, reivindica-se a possibilidade de discutir o tratamento da carreira artística como um Jogo (Huizinga, 2012; Schechner, 2012; Caillois, 2017), para compreender como a erupção do inusitado se organiza nas dinâmicas que permeiam a indústria do entretenimento. Ao analisar eventos enquanto performance, ressaltamos a dimensão dialógica, na qual o performer e a audiência se engajam em um processo de troca simbólica fundamental para a construção de sentidos e para a negociação de valores culturais. Assim, sugiro que as disposições da cena instauram determinadas relações entre os sujeitos de aproximação ou de afastamento, de rompimento ou de afirmação de laços, de forma que o “surto midiático” pode se tornar uma ferramenta performativa na construção de narrativas que agem em função do gerenciamento da imagem pública de um artista.

2. A celebridade entre a imagem pública e a vida privada, ou o “eu midiático” e o “eu real”

Retomemos o fio condutor dessa pesquisa: o caso de Britney Spears. Em 1999, a artista revelou estar namorando o também cantor Justin Timberlake e a dupla se converteu em um dos mais casais mais adorados pela mídia e pelos fãs, chamados de “rei e rainha do pop teen” (Bickerdike, 2021). O término do casal em 2002, marcado por versões desencontradas, indiretas sobre uma possível traição e músicas de vingança (Cry Me A River, canção lançada por Justin Timberlake no mesmo ano, seria sobre a relação do casal), parece ter alimentado ainda mais o fascínio pelo relacionamento. Especialmente quando Timberlake revelou que havia mantido relações sexuais com Britney (Wilson, 2023), contrariando as inúmeras declarações pública da cantora de que nunca havia feito sexo. Neste ponto é preciso entender o direcionamento que a indústria dava para a carreira de Britney, ou seja, qual era a imagem da cantora que estava sendo vendida ao público, para compreender o início do que identificamos como uma fissura: o processo de aparição de contradições entre as personas pública e privada de Britney.

A imagem pública de um artista é, na grande maioria das vezes, criada por departamentos comerciais, empresários e demais executivos responsáveis pela gestão da carreira como um negócio e não precisa coincidir ou corroborar com a visão que este tem de si mesmo, ou seja, do seu “eu real”3, pois responde à ideia do artista como produto de consumo. Na verdade, essa imagem é, em geral, construída a partir de um processo de diferenciação entre o “eu real” e o “eu midiático”, ainda que essa separação seja imprecisa, já que elementos biográficos também informam e criam ganchos para a narrativa da persona pública.

No caso de Britney, a artista foi dirigida desde o início da carreira por “agentes comerciais com o objetivo de construir uma imagem ambígua de Miss Americana Dream, entre ‘inocência rural’ e [menina] ‘branca safadinha’” (Daros, 2021: 382), o que produziu reações na audiência de “amor e ódio, fascinação e choque”, especialmente no seu público principal composto por meninas pré-adolescentes. A historiadora cultural e biógrafa Jennifer Otter Bickerdike, aponta que “a campanha publicitária” em torno de Britney, nos anos iniciais de sua carreira, estava estruturada em princípios antiquados de bons costumes e modesta, já que a “o foco demográfico inicial que Britney precisava conquistar era o de jovens/pré-adolescentes, então a imagem impecável de um ídolo intocado, com o hímen intacto, era crucial” (Bickerdike, 2021, p. 56), do ponto de vista do marketing.

Considerando que a construção dessa persona midiática é central para a gestão da imagem de uma celebridade, vemos que se operacionaliza uma série de mecanismos de cobrança e vigilância sobre seus corpos e ações. A criação e manutenção de uma face pública cria demandas, muitas vezes desgastantes à nível pessoal. Para Britney, esses rigores apareceram nos questionamentos sobre assuntos que seriam, em primeira instância, da ordem íntima. Bickerdike (2021) diagnostica que a estratégia de construção da imagem pública de Britney, que se iniciou como “uma parte do ciclo previsível para promover uma artista emergente”, logo se converteu em questionamentos sobre como ela poderia “cantar, olhar e dançar provocativamente” e ainda assim dizer que não fazia sexo. Ainda que essa imagem estivesse em consonância com questões ideológicas da época, já que “a virgindade de Britney era especialmente interessante porque sua chegada no cenário da cultura pop se deu no final de quase duas décadas de devastação causada pelo HIV, vírus transmitido sexualmente”, se tornou “aceitável, esperado e desejável questionar implacavelmente Spears sobre o estado de sua castidade” (Bickerdike, 2021: 56-57).

Debates sobre a oposição entre um “eu real” e um “eu midiático” em celebridades já são empreendidos nos estudos de celebridades: citamos os investimentos de P. David Marshall, que, ao longo dos anos tem se dedicado para compreender diferentes aspectos da ideia de “persona”; e de Chris Rojek, que busca entender a relação da celebridade com o tecido social. Em “Celebrity” (2001), Rojek estabelece sua concepção sobre celebridades a partir de alguns pontos que também balizam as inferências que aparecerão mais à frente neste trabalho. Dentre os pressupostos, dois se destacam: a) a celebridade é uma fabricação cultural cuidadosamente construída por intermediários que trabalham no gerenciamento da imagem da celebridade aos olhos do público; b) o status de celebridade implica na divisão entre um eu privado e um eu público. Sobre o segundo ponto, o autor elabora que o sujeito confere à sua representação pública um caráter de encenação que é sempre “uma atividade encenada, na qual o ator humano apresenta uma ‘frente’ ou ‘rosto’ para os outros, mantendo uma parcela significativa do eu em reserva. Para a celebridade, a divisão entre o eu e o mim social4 costuma ser perturbadora” (Rojek, 2004: 11).

Essa perspectiva dialoga com o que postula Erving Goffman em “A representação do eu na vida cotidiana” (2002) a partir da abordagem dramatúrgica para compreender a maneira pela qual o indivíduo se apresenta em situações cotidianas às outras pessoas, regulando “a impressão que formam a seu respeito e coisas que pode ou não fazer” (Goffman, 2002: 9). Goffman desenvolve a ideia de que a vida social é, em essência, uma série de performances que se desvelam em um “palco social”, ou seja, na vida cotidiana, em que cada indivíduo desempenha papéis específicos diante de diferentes audiências. O teórico divide essas interações em duas regiões: a fachada e os bastidores. Na fachada, os indivíduos performam para os outros, apresentando-se de uma maneira que consideram apropriada para a situação, buscando influenciar a percepção dos outros sobre seu caráter, competências e intenções. Já nos bastidores, eles podem deixar de lado determinadas ingerências que são requeridas pelos papeis que assumem em público, revelando aspectos de seu “eu” que, presumivelmente, não são apresentados publicamente, sendo também onde o indivíduo ajusta e refina sua performance, planeja futuras interações e recupera-se das exigências da fachada.

Parece incontornável que indiquemos a conceitualização do termo “performance”. Em “What Is Performance?”, do livro “Performance Studies: an introduction”, Richard Schechner, tenta responder à pergunta que soa ambiciosa à medida que se compreende o caráter multifacetado do termo. O exercício para tentar estabelecer bases conceituais para “performance” apresenta-se como um desafio para evitar generalizações, ao mesmo tempo que tenta furtar-se de acepções que cristalizariam a performance como uma característica exclusivo de determinados objetos e eventos. O autor adiciona ao longo do texto diversas modulações ao termo, mas, por hora, nos interessa compreender a performance principalmente a partir da sua indicação inicial de que “na vida cotidiana, performar é exibir-se ao extremo, sublinhando uma ação para aqueles que assistem” (Schechner, 2013: 28). Essa perspectiva se coaduna ao que também propõe Goffman (2002: 23): “uma performance pode ser definida como toda e qualquer atividade de um determinado participante em uma certa ocasião, e que serve para influenciar de qualquer maneira qualquer dos participantes”. A partir destas ideias, pensar a dinâmica de fachada e bastidores é entender que a divisão entre as regiões não é apenas uma questão de onde e como os indivíduos se apresentam, mas também de como modulam suas performances de acordo com o público e o contexto.

A dicotomia entre o “eu real” e o “eu midiático” em celebridades pode ser entendida à luz dessas regiões, apesar da distinção entre fachada e bastidores poder se apresentar como nebulosa, uma vez que para sujeitos célebres a vigilância pública se estende aos espaços considerados privados. Ao parecem estar constantemente na região da fachada, ou seja, sob os olhos do público, estes precisariam manter uma performance contínua, uma “imagem” cuidadosamente gerida para atender às expectativas que lhes são impostas por uma série de estatutos que são tanto acordados entre as partes de forma explícito, quanto implícitos. As celebridades, então, viveriam em constante negociação entre o seu “eu real” (bastidores) e o “eu midiático” (fachada), na qual a fronteira entre esses dois espaços pode ser difícil de gerir e manter, podendo levar a uma sensação de alienação do “eu real” e uma espécie de sofrimento (Rojek, 2001). Goffman (2002), ao sugerir que a sociedade, em grande parte, funciona através dessas apresentações dramatúrgicas, onde todos desempenham papéis e ajustam suas ações conforme os diferentes contextos sociais, sendo a intensidade e a extensão dessa performance a diferença crucial quando olhamos para as celebridades, que se torna uma parte central de suas identidades e vidas, o autor permite que façamos leituras sobre como a performance na região da fachada pode ser “manipulada e mitificada por forças econômicas e culturais para fabricar impacto social” (Goffman, 2002: 42).

A revelação de Timberlake foi na direção oposta à sua imagem pública altamente rentável ao negócio da carreira de Britney, mas expôs a primeira, e talvez fundamental, fissura entre a imagem pública de Britney e sua “eu real”, sob a qual se organizou uma série de pressupostos e ordenamentos sobre a artista. Anos após o ocorrido, Britney revelou que gostou de ter sido “exposta”, pois isso a eximiu de continuar a manter sua persona virgem em público (Mazzeo, 2023). Mas, se por um lado a artista se viu “livre” de determinado aspecto de sua face pública, por outro, parece não ter escapado da necessidade constante em manter a performance, fardo que acompanha o fato de simplesmente ser uma celebridade. Ou, pelo menos, uma versão adaptada dessa performance. Para Britney, a exposição de que parte de sua imagem pública se tratava de uma encenação, não fez com que a pressão para manter essa imagem diminuísse, como veremos a seguir; essa imagem apenas foi reconfigurada e ajustada para continuar a atender às expectativas e aos interesses econômicos e culturais, assim como as cobranças sobre ela, diante de um evento que redefiniu as regras do jogo.

3. A gestão da carreira artística enquanto performance

Até então argumentamos para estabelecer a centralidade da gestão da imagem pública de uma celebridade como forma de viabilizar uma carreira bem-sucedida enquanto produto economicamente rentável na música pop. Nesta segunda etapa, enveredamos a discussão para entender como a indústria fonográfica, representada por empresários e a gravadora da artista, opera o controle que incide na imagem pública do artista de uma maneira performática, estabelecendo diálogos com instâncias e eventos que estão fora do controle imediato e que, algumas vezes, podem ser da ordem da imprevisibilidade. Reivindicamos a possibilidade de analisar os eventos enquanto performance, perspectiva estabelecida por Schechner (2013: 38): alguns eventos são performance, mas quase tudo que existe pode ser estudado enquanto performance. O enquanto sinaliza um modo de interrogar o objeto a partir de determinado olhar, ou seja, a performance se converte em uma lente epistemológica que organiza a totalidade do evento. A partir de Schechner, essa também é a mirada adotada por Diana Taylor (2013: 28) salientando que “o él como [enquanto] realça a compreensão da performance como simultaneamente ‘real’ e ‘construída’”.

Avançando na compreensão, Schechner (2013) postula que a performance é composta por “comportamentos restaurados”, mesmo que seja parte de um evento da vida cotidiana. Apesar disso, a performance não pode ser replicada, já que “porções do comportamento podem ser recombinadas em um número sem fim de variações” (Schechner, 2013: 30), mas também porque o contexto em que a performance acontece é vital para sua compreensão, pois seu ineditismo não reside apenas em sua materialidade, mas na sua interatividade em fluxo contextual. Assim, é possível entender a performance como um “entre”: ações, interações e relações entre os objetos e seres envolvidos em determinado evento. É neste entre, ou seja, no âmbito performático, que inscrevemos as dinâmicas de gestão da carreira de uma artista – em específico, neste caso, uma artista da música pop.

Inferimos que, à princípio, gerir uma carreira constitui-se a partir de ações estratégicas e interações contínuas que buscam produzir a faceta pública de um artista, negociando com, entre outras coisas, demandas do sujeito que encarna o papel, do mercado e expectativas do público. Nesse sentido, a criação da imagem pública de um artista é um processo dinâmico que se adapta aos contextos culturais, sociais e econômicos, se desdobrando ao longo do tempo em uma série de performances cujo objetivo parece ser imprimir ao público uma certa qualidade de autenticidade por parte do artista. No entanto, é crucial reconhecer que essa imagem não é puramente ficção, já que a performance é simultaneamente “real” e “construída” (Taylor, 2013), ou seja: a autenticidade da artista emerge dessa interseção entre a realidade e o estrategicamente elaborado. A gestão da carreira de uma artista, portanto, se apresenta como um exercício de equilíbrio para manter a relevância no mercado, preservando uma identidade que seja percebida como autêntica. Cada decisão tomada é uma peça desse quebra-cabeça performático, onde o sucesso depende de uma orquestração harmoniosa entre os diversos elementos envolvidos entre o “eu real” e o “eu midiático”. Equilibrar essa dualidade permite que a artista mantenha uma conexão com seu público, enquanto navega pelas exigências comerciais.

Para contextualizar essas considerações em direção ao caso de Britney Spears, destacamos ainda que, na música, a imagem de um artista também é projetada a partir de regras de comportamento definidas a partir dos gêneros musicais, tendo em vista que estes também incluem “convenções de performance (regras formais e ritualizações partilhadas por músicos e audiência) [...] e convenções de sociabilidade (quais valores e gostos são ‘incorporados’ e ‘excorporados’ em determinadas expressões musicais)” (Janotti Jr., 2006: 9). Quer dizer, ao se posicionar como um artista de deliberado gênero musical, o artista se submete à um conjunto de regras que incidem sobre sua vida e obra, regulando o que se pode fazer, mas, mais importante, o que não se pode fazer. Retomando Goffman, encontramos uma perspectiva valiosa para entender essa dinâmica, quando o autor afirma que “o indivíduo influencia o modo que os outros o verão pelas suas ações, [mas], muitas vezes não será ele que moldará seu comportamento, e sim seu grupo social ou tradição na qual pertença” Goffman (2002: 67). Entretanto, as regras da performance podem ser quebradas, ponderadas ou subvertidas, como sinaliza Taylor (2023: 34), ao incluir a possibilidade “de mudança, de crítica e de criatividade no âmbito dos enquadramentos de repetição” dos comportamentos de uma performance.

Em dezembro de 2004, Britney, afastada dos palcos devido a uma lesão no joelho, demitiu o empresário Larry Rudolph e vazou uma música não-finalizada sem autorização da sua gravadora, e revelou à uma rádio que estava trabalhando em um novo álbum, a ser chamado Original Doll, que seria lançado em breve chamado (Schwarz, 2014). Esse foi o início de um comportamento da artista visto como errático em relação à sua carreira. Na música vazada, Britney “ironiza o início de sua própria fase de decadência, que, em sua visão, era muito aguardada pela mídia e seus rivais no showbiz” (Daros, 2021: 383) ao cantar “Now see everyone’s watching, as she starts to fall/They want her to break down/And be a legend of a fall”. Posteriormente, a gravadora negou a existência do álbum, que virou apenas uma promessa do que seria, segundo Britney, seu trabalho mais pessoal e honesto. Vale notar, entretanto, que uma segunda parte da letra da música vazada repetia a frase “She’s been gone”, mas foi alterada quando a faixa Mona Lisa foi oficialmente lançada no EP Britney & Kevin: Chaotic (2005), para “she’s been cloned”.

Se até então era a carreira musical que estava em primeiro plano, a partir de 2004, com um comportamento “bizarro” e dois casamentos no mesmo ano, “o amplo interesse do público em seus assuntos particulares começou a superar em muito o interesse por seu trabalho – ou seja, a música não era mais a grande coisa que a indústria poderia extrair dela” (Daros, 2021: 384). Hunter Schwarz (2017) contextualiza o caso a partir de uma mudança paradigmática no processo de “fabricação” de estrelas da música pop, ressaltando que, quando Britney levou a música à rádio, não havia as redes sociais como espaço onde a cantora poderia mostrar sua “eu real” ao mundo: “Original Doll e o que Spears esperava que ele se tornasse representaram uma mudança no cenário da música pop, afastando-se do astro pop do início do século moldado pela Disney em direção a algo mais honesto e cru como vemos hoje” (Schwarz, 2017).

Segundo Daros (2021), as modificações na letra de Mona Lisa trouxeram diferentes interpretações dos fãs e da crítica para a música, mas, de forma geral, foi vista como uma demonstração de poder da gravadora sobre Britney, uma “indicação” de que ninguém seria insubstituível, já que a prática de “eliminação e renovação” seria uma constante na indústria do entretenimento como parte das tentativas para “encontrar uma garota branca loira sexy que cantasse, dançasse e, acima de tudo: vendesse tanto quanto ela fez em seu início de carreira” (Daros, 2021: 383). Essa exposição ressoa a partir do que postula Soares (2021a) sobre o reconhecimento da música pop como um lugar de “artistas fabricados”. Esse processo performático tem como papéis cruciais os empresários e gravadoras, que agem como mediadores entre o artista e o público, a mídia e os investidores. Essa mediação ocorre através de um conjunto de práticas que incluem a escolha de elementos visuais, comportamentais e discursivos para compor a identidade da marca do artista, como a escolha de figurinos, a coreografia dos videoclipes e a gestão de suas redes sociais. Como resultado, a imagem pública do artista é constantemente negociada e renegociada em resposta às reações do público e às tendências do mercado, entre outras variáveis, mas, também, aos eventos imprevistos que podem afetar sua percepção pública.

4. Teatralidade e Jogo na carreira musical

Ao reconhecer que existe uma dinâmica de fabricação na criação de um artista, uma camada performática, nos provoca a pensar o social a partir de uma metáfora de teatro, levando em consideração disposições, ações e intenções tanto dos atores, quanto da plateia, ou, para colocarmos em outras palavras, de quem performa e de quem observa. Ou seja, olhar para o objeto a partir da lente da performance impele analisar a execução de ações, seja em um palco, em espaços públicos ou em contextos cotidianos, além de implicar, especialmente no âmbito midiático, pensar nos aspectos dramáticos, enquadramentos, cenas e as convenções que compõe a performance. Esse exercício passa pela observação do campo simbólico, mas também das “materialidades dos corpos e objetos que se afetam e produzem presença” (Soares, 2021b: 222).

Essa proposta encontra eco nos argumentos que aparecem em menor ou maior grau nos autores convocados até então, especialmente a partir do pensamento de Goffman (2002), mas ganha novos contornos a partir de um investimento mais detido no conceito de teatralidade. Segundo Soares (2021b: 215), o debate sobre teatralidade incide metodologicamente na discussão sobre performance ao colocar em evidência “aspectos dramáticos das performances em ambientes midiáticos”, permitindo a visualização da “dimensão dramatúrgica das performances, seus roteiros e experiências possíveis”. Com este movimento, queremos fazer ressaltar aspectos cênicos das performances, destacando o caráter de espetacularização de eventos e fatos da vida cotidiana no âmbito da esfera pública, ou na expressão/concepção do “eu midiático” no âmbito da carreira artística.

Para tanto, recorremos à dramaturga Josette Féral (2009), que investe em um debate sobre teatralidade para deliberar sobre o que seria o caráter distintivo do teatro perante outros gêneros e artes do espetáculo. Recuperando uma perspectiva histórica para o termo, Féral retoma os primeiros textos do dramaturgo e historiador do teatro Nicolai Evréinov, nos quais o autor argumenta em favor de um entendimento sobre teatralidade como uma “vontade de teatro”, um “impulso irresistível encontrado em todos os homens” que causa uma “transformação na natureza” (Féral, 2009: 88). Féral desloca a noção de teatralidade do objeto para a ação: é no ator de olhar que reside a capacidade de identificação da teatralidade, assim como é ao informar determinada “intenção de teatro” que se cria a teatralidade. Em outras palavras, a teatralidade não é compreendida como uma propriedade de um objeto, mas uma “dinâmica receptiva que une algo que é olhado (sujeito ou objeto) e aquele que olha” (Féral, 2009: 108).

Dessa forma, a noção de teatralidade se desconecta da essência do objeto sem se limitar à fabulação ou à ilusão, uma vez que está inscrita no tecido social. Em vez de possuir particularidades que podem ser aferidas, a teatralidade é um processo, uma criação relacionada ao olhar que, ao enquadrar o objeto, cria outro espaço que permite a emergência da ficção, um “espaço diferente do cotidiano, criado pelo olhar do espectador que se mantém fora dele” (Féral, 2009: 86). Nesse processo, faz surgir a “alteridade da teatralidade”, cuja mudança qualitativa nas relações entre os sujeitos define os papeis para eles: atores e espectadores, investidos em suas definições a partir da emergência da teatralidade. A teatralidade aparece, assim, “como um processo que indica ‘sujeitos em processo’.

Reconhecendo que a perspectiva de Evréinov não trata especificamente do teatro, a autora parte da exploração da teatralidade no cotidiano para demarcar uma capacidade de “transcendência da teatralidade”, através da qual a teatralidade poderia “investir em todas as formas do real”, sendo elas o artístico, o cultural, o político, entre outras instâncias. Essa condição é fundamental para demarcar a existência de uma “teatralidade cênica”, uma dinâmica que apenas as práticas teatrais conseguiriam produzir, pois a teatralidade enquanto “estrutura transcendental” seria uma propriedade à qual o teatro pode recorrer para existir e, uma vez convocada, “passaria adquirir características propriamente teatrais” (Féral, 2009: 90). Assim, a teatralidade cênica se refere especificamente aos mecanismos utilizados dentro do contexto de uma performance teatral e repousa, essencialmente, sobre do ator, que “teatraliza tudo aquilo que o rodeia: o eu e o real” (Féral, 2009: 90). É a partir das relações estabelecidas entre esses dois polos que se define a teatralidade no teatro. Essas relações são dadas pelo jogo, conceito fundamental na compreensão da teatralidade. Segundo Féral, o jogo é uma atividade que envolve tanto os atores quanto os espectadores em um processo de compartilhamento de experiências. No contexto teatral, o jogo se manifesta através da interação entre os atores que desempenham seus papéis e o público que, ao assistir, se engaja ativamente na construção do sentido da performance. Este jogo estabelece uma relação dinâmica onde ambos os lados influenciam e são influenciados, criando um espaço de comunicação e troca simbólica.

O entendimento da teatralidade como parte do tecido social poderia bastar para sustentar algumas hipóteses dessa pesquisa. Entretanto, reafirmando que nosso olhar busca enxergar o teatral no social, se torna importante demarcar a teatralidade cênica e suas especificações. A perspectiva de reconhecer a teatralidade no cotidiano e, ainda, que ela possa ser convocada pelo espectador é profícua, pois investe o sujeito que olha de agência para criar enquadramentos e reconhecer certa dramaturgia diante das performances. Todavia, o debate sobre a teatralidade na gestão de uma carreira artística parece se encaminhar para uma investigação da intencionalidade nas ações dos atores, pois estes, ao se manterem na região da fachada, parecem intencionalmente requererem o espetacular, convocando a teatralidade em suas performances midiáticas. Deste ângulo, a diferença entre práticas cotidianas e práticas da cena parecem estar sempre à espreita, ou, como Féral (2009: 89) indica, parece que “o limite entre teatro e cotidiano é mínimo”. Assim, essas distinções se tornam pormenores, afinal, as ideias pensadas para a teatralidade cênica poderiam ser enxergadas também no palco social de Goffman (2002). Por isso, investimos na ideia de que a carreira artística pode ser encarada como um espaço que se estrutura pela dinâmica do jogo, acomodando performances a partir do ordenamento das regras sociais, culturais, econômicas, estéticas e subjetivas.

A ideia de jogo adentra os estudos do teatro a partir da perspectiva de Johan Huizinga (2012: 16), para quem o jogo seria um elemento fundamental da cultura e o jogar, uma “ação livre, sentida como ‘fictícia’ e situada fora da vida corrente” que possui “ordem e regras dadas”. A partir dessa conceituação, Féral adensa o entendimento ao notar que as regras podem ser do jogo em geral, como as convenções formais do teatro, ou específicas, como as expectativas culturais e sociais que moldam o comportamento dos indivíduos no cotidiano. Féral argumenta que a compreensão dessas regras é crucial para apreciar a profundidade da teatralidade, pois é através delas que se define o campo de ação dos participantes na performance. Em outras palavras, é a partir das regras do jogo que se criam enquadramentos que estabelecem em seu interior disposições das quais “o ator pode tomar certas liberdades em relação ao cotidiano” (Féral, 2009: 94). Em nossa perspectiva, propomos a carreira artística como um jogo justamente por entender que ela aparece como um processo performático que se dá a partir de regras gerais da indústria, mas também das regras mais especificas do cotidiano que se referem ao espaço-tempo no qual se desenrola, à medida que vão se atualizando ou modificando as normas sociais e morais do público que assiste.

Retomando o caso Britney.

A Britney que chega à 2006 é uma mulher acostumada a viver sob os holofotes e o escrutínio de uma cultura midiática que acompanha o seu status de celebridade. Os paparazzi, que seguiam a artista dia e noite, registravam seus momentos mais vulneráveis e, à princípio, íntimos, como idas ao salão de beleza, e essas fotografias foram, muitas vezes, usadas contra ela em capas de revista, mostrando a artista em situações “vexatórias” e fabricadas5. É possível inferir que a pressão da fama, a crise no casamento e os embates judiciais pela guarda dos filhos levaram a artista a uma série de comportamentos, que, em 2006, levantaram questionamentos sobre sua capacidade de cuidar dos filhos “apropriadamente”, transformando-a em alvo constante de especulações públicas.

Em uma análise das capas da revista Us Weekly publicadas entre 2006 e 2008, Tuomi (2020) demonstra que no início de 2006 Britney era vista como “a chefe da família” e “no controle das finanças”, ao mesmo tempo que era uma “figura materna calorosa e protetora” (Tuomi, 2020: 26). Entretanto, ao final daquele ano, essa não era mais a imagem que estava sendo vendida nas capas da Us Weekly, mudando a atenção da maternidade para as festas e “noitadas” em que Britney estava sendo frequentemente fotografada ao lado de outras celebridades, tais como Paris Hilton. A partir das análises, observamos que diversos elementos que contribuíram para a construção na mídia da imagem de Britney como uma “party girl” que, invariavelmente, também era uma “mãe ruim”: o uso de “roupas indecentes”, seus supostos “muitos namorados” e os relatos das festas em que esteve, os quais sempre eram trazidos em detalhes por fontes anônimas que retratavam uma Britney bêbada, “fora de controle” e supostamente sob efeito de medicamentos e drogas. Poucas das alegações publicadas sobre Britney na época possuem comprovações, mas foram suficientes para levantar dúvidas sobre o estado da sua saúde mental e sobre sua capacidade como mãe. Essas especulações, combinadas com outros eventos que de fato possuíam provas, como as fotografias da cantora dirigindo com o filho no colo, foram tomadas como verdade e pintaram uma imagem vívida de Britney como uma mulher “instável e imprevisível” que precisava de ajuda.

Esse discurso está alinhado à uma perspectiva que, historicamente, enquadra as mulheres como um ser insano, enquanto os homens são identificados à racionalidade (Zanello, 2018), em um movimento que as colocam em uma situação de vulnerabilidade sempre necessitando de intervenção. Essa representação distorcida é um reflexo de um sistema que marginaliza a saúde mental das mulheres, reforçando os estigmas que patologizam suas ações, já que essa narrativa perpetua a ideia de que comportamentos fora do esperado para mulheres, especialmente mães, são automaticamente associados a desequilíbrios mentais ou morais. No caso de Britney, a transição de uma imagem de “mãe perfeita” para a de uma “party girl” foi rapidamente utilizada para desacreditá-la publicamente e justificar ações de controle sobre sua vida.

Logo no início de 2007, uma crise, que veio a redefinir por vez as narrativas sobre Britney na mídia, se instaura: a cantora é perseguida e flagrada por fotógrafos enquanto raspava o cabelo, depois em um estúdio de tatuagem e, em seguida, atacando o carro dos paparazzi. As imagens, veiculadas e replicadas à exaustão, parecem confirmar as especulações que circulavam sobre o seu estado mental, levando a uma intervenção conjunta de sua família, representada principalmente pela figura do pai Jamie Spears, e dos seus empresários e da gravadora. Quatro dias depois, Britney entrou em uma clínica de reabilitação, de onde saiu em menos de 24 horas, apenas para retornar no dia seguinte. À medida que Britney entrava e saía de internações nos dias que se seguiram ao seu “surto”, o colapso já havia sido transformado em lucro para os administradores da sua carreira. Quando a cantora reapareceu, após um mês internada, retomou a “normalidade” e seguiu com um plano de aparições em público que parecem fazer parte de uma narrativa de “volta por cima”, que deveria culminar em sua apresentação no MTV Video Music Awards, em setembro daquele ano. A apresentação aconteceu, mas o resultado foram críticas ao corpo de Britney e à sua performance artística, considerada em uníssono pela imprensa como “desastrosa” (G1, 2007).

Seguindo a apresentação, Britney perdeu a batalha judicial contra Federline, que ganhou a guarda unilateral temporária dos filhos. O comportamento “louco” foi acentuado e o fim do ano foi atribulado: mais uma vez, em uma sequência de comportamentos erráticos a partir de outubro, Britney reafirma sua imagem “descontrolada” para o público, afinal, não eram mais especulações, mas fatos, como quando foi autuada por dirigir sem carteira de motorista. Como questionar a veracidade da narrativa do sofrimento se estávamos vendo? Ao mesmo tempo que Britney é retratada como fora de controle em relação à sua vida pessoal e saúde mental, é lançado seu quinto álbum de estúdio Blackout (2007), que parece comunicar: apesar de tudo, ela pode continuar a trabalhar. O jogo da carreira artística impõe suas regras, mas diante da irrupção do inesperado, será possível dar continuidade à performance do “eu midiático”?

5. Considerações finais: como reorganizar o Jogo?

Abrindo frentes para estabelecer interfaces entre jogo e performance, Schechner se apropria do jogo como o cerne da performance a partir do entendimento de que o jogo se mostra como uma dinâmica mais flexível, conectando com a perspectiva de que a unidade básica da performance, o comportamento restaurado, não possui a intenção de ser real ou totalmente sério. Dessa forma, o autor indica que a “performance pode ser definida enquanto comportamento ritualizado condicionado/permeado pelo jogo” (Schechner, 2013: 89). Jogar, assim, seria brincar com suas próprias realidades, criar mundos, ilusão e realidade, sinceridade e engano.

Apresentando um sistema de “sete conceitos sobre o jogo”, Schechner complexifica a questão do jogo propondo um modelo de análise com base em estrutura, processo, experiência, função, desenvolvimento coletivo e individual, ideologia e enquadramento. Nesse sistema, o processo se destaca como um conceito-chave para entender o jogo, pois é nele que são definidas as regras. O autor questiona sobre como foram pensadas as estratégias de jogo, quais foram seus resultados e ainda: “como outros fatores afetam o surgimento de novas estratégias de jogo?” (Schechner, 2013: 93). Com esse questionamento, Schechner tangencia outro importante teórico, Roger Caillois (2017), que propõe o jogo a partir de duas classificações polarizadas: o jogo de regras fixas (ludus) e o jogo de livre improvisação (paidia). Nessa perspectiva, a ficção seria um jogo de livre improvisação, entretanto, Schechner argumenta que essa seria uma visão do jogo ingênua, baseada em uma suposta liberdade ou livre consentimento que são, tanto para Caillois quanto para Huizinga, pré-requisitos do jogo, mas que, atualmente, o jogar se assemelharia mais a uma combinação dessas categorias do que à oposição.

Então, pensamos: quando o inusitado irrompe, ele também rompe algo – uma narrativa, uma estratégia, uma performance. Nesse sentido, a perspectiva tangencia, em certa medida a ideia de “rupturas performáticas” (Polivanov & Carrera, 2019), ainda que essas reflexões estejam voltadas às performances em redes sociais digitais, já que se também trata da irrupção de um evento adverso que desorganiza a intencionalidade da performance e suas regras. Porém, ao tratar como ruptura, Polivanov e Carrera apontam para uma interdição da performance: a impossibilidade da continuidade. Seguindo por outro caminho, nossa perspectiva, ao enxergar a organização da performance pela sobreposição das regras fixas e regras de livre improvisação do jogo, permite entender a possibilidade da carreira artística se (re)organizar diante da emergência de um evento inusitado que desestabiliza as regras. Na visão de Schechner, o inusitado não apenas desafia as normas preexistentes, mas também abre espaço para a criação de novas estratégias e formas de atuação, já que quando um evento inesperado ocorre, ele pode subverter as regras do jogo de maneira abrupta, forçando os participantes a improvisarem e adaptarem suas respostas. O evento inusitado pode, por exemplo, transformar um jogo rigorosamente estruturado em um de improvisação, exigindo que os atores reavaliem suas performances. Neste contexto, a emergência do inusitado se torna a possibilidade de redefinição das regras sob as quais os atores jogam, em uma oportunidade para testar limites, redefinir as fronteiras da performance e propor novas narrativas. Schechner sugere que essa interseção entre ordem e caos, entre estrutura e espontaneidade, é onde a verdadeira essência do jogo e da performance se revela.

Ao propor esse entendimento para as carreiras, vemos que a capacidade de navegar entre as regras fixas e a improvisação livre é crucial para a manutenção da performance. A habilidade de jogar com as realidades e responder ao inusitado é o que permite que a performance continue a se renovar. Entretanto, um último ponto vale ser discutido: a ideia de que o “surto midiático” está profundamente conectada ao “eu real” que está à espreita do “eu midiático”. Esse fator constituiria o que Féral (2009: 98) convoca como uma das proibições do jogo: a abertura para a vida, que ameaçaria o enquadramento. Ao se associar ao real, o ator romperia com a ilusão, com o jogo, interrompendo as condições da teatralidade e, de fato, impossibilitando a continuidade da performance. Todavia, o jogo que condiciona a gestão da carreira artística está implicado em questões que forçam a permanência da performance – do artista, do produto. As demandas mercantis que incidem sobre os artistas da música pop parecem segurar as emendas da moldura que enquadra a performance, em uma força que age de fora para dentro, para que o espetáculo não cesse, continue maior e melhor, mesmo diante de extremos.

No caso Britney, o inusitado que causou uma crise em sua carreira foi ano de 2007, especialmente o episódio em que é flagrada raspando o cabelo e, posteriormente, atacando o carro dos paparazzi. Esse evento desencadeou uma amplificação da crise, para usar o vocabulário proposto por Victor Turner (1982) na compreensão de dramas sociais, em que os conflitos do social são passíveis de análise a partir da observação de uma sequência de ações sistematizadas em fases: 1. fissura; 2. crise; 3. ação reparadora; e 4. reintegração ou separação. Dentro dessa perspectiva, apontamos as três primeiras fases até então, mas é na última, que podemos observar toda a potência de reorganização do jogo em ação. Quando a crise, amplificada (durante o ano de 2007) e contida (por meio de tentativas de apaziguamento e ‘retornos’ da artista ao trabalho), é integrada e redefine a narrativa da artista, que passa a comportar aquele evento com uma certa naturalidade.

O início de 2008 continuou a ecoar os acontecimentos dos meses anteriores e a vida pessoal de Britney continuou a ser estampada nas capas das revistas. Nas primeiras semanas, Britney entrou e saiu de clínicas, prestou depoimentos à polícia e travou novas batalhas legais pela guarda dos filhos até ser internada contra sua vontade em um hospital psiquiátrico, segundo sua autobiografia A Mulher Em Mim (2023). No dia seguinte, uma decisão judicial apontou que ela não era capaz de cuidar de si mesma, Britney e todo seu patrimônio foram colocados sob curatela temporária do seu pai e do advogado. Britney saiu do hospital cinco dias depois, mas a curatela se tornou permanente, operando até 2021 (Santiago, 2023).

Nesse contexto, Britney passou a viver sob os cuidados permanentes do pai e dos advogados e retomou sua vida profissional, voltando aos estúdios para gravar um novo álbum. Antes do lançamento, o documentário Britney: For the Record (2008), encomendado pela gravadora, foi divulgado sob a premissa que Britney contaria “a verdade” sobre os seus momentos mais turbulentos. “O filme acompanha seu retorno à indústria fonográfica após suas altamente divulgadas lutas pessoais”, anunciava. O documentário acompanhou Britney antes de uma nova apresentação, além dos ensaios para a nova turnê. Nele, Britney fala sobre a possibilidade de não estar sob a curatela: “Eu me sentiria livre, eu me sentiria como eu mesma. Eu meio que estou presa nesse lugar e é tipo, como lidar com isso? Você aguenta, é o que eu faço. Eu aguento, todo dia” (Griffin, 2008). O documentário estreou dois dias antes do lançamento do álbum Circus, para o qual serviu como ferramenta de promoção, lançado em dezembro. Em 2009 a artista saiu em turnê pelo mundo, rendendo mais de US$ 130 milhões aos administradores da sua carreira (Daros, 2021: 387).

Após a crise, observarmos que Britney passou por uma drástica transformação. Daros (2021: 389) nota que ela “adquiriu características como timidez e insegurança que antes pertenciam ao seu eu verídico” e sua postura diante das câmeras se tornou mais reservada, mostrando a sagacidade do jogo em incorporar e negociar com os elementos do “eu real” para produzir uma imagem pública baseada na impressão de autenticidade, já que diante da radicalidade do “surto midiático”, das profundas mudanças promovidas por ele, seria impossível retomar a performance anterior como autêntica.

Recibido el 10 de julio de 2024. Aceptado el 29 de octubre de 2024.

* Mestre e doutoranda em Comunicação no Programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Parte integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Música Pop (GruPop). E-mail: liviamariadp@gmail.com.

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  1. 1 O uso de “surto” é amparado pela percepção pública sobre os acontecimentos, já que “surto” e “colapso” são utilizados na mídia para enquadrar as ações de Britney. (Cf. Arraes, 2021; Bonin, 2023; Lincolins, 2021)

  2. 2 Para entender a cronologia dos eventos envolvendo os anos de 2006, 2007 e 2008 de Britney recorremos às “linhas do tempo” do período. Para esta pesquisa, seguimos àquela do site da rede de notícias CBS News, disponível em: <https://bit.ly/45BUp9p>.

  3. 3 A expressão “eu real” aparece entre aspas porque este trabalho se insere em uma perspectiva que parte do entendimento de que não existe um “eu” mais autêntico ou real que outro. Porém, é preciso reconhecer também que, ao relatar a si mesmo, o sujeito sempre irá atuar em uma tentativa de imprimir determinado grau de autenticidade sobre sua sobre seus atos. Quer dizer, estaria o sujeito sempre tentando demarcar quem é verdadeiramente em detrimento daquilo que seria apenas uma fachada. (Cf. Goffman, 2002)

  4. 4 No original, o autor apresenta a distinção entre a pessoa pública e a privada da celebridade usando os dois pronomes ‘I’ e ‘me’ a partir do que postula George Mead. Rojek foi traduzida para o português, mas não foi possível ter acesso ao texto. Portanto, ao citar o autor, seguimos a tradução brasileira de Mead, que adota a distinção no português como ‘eu’ e ‘mim social’, observada na publicação “Mente, self e sociedade” (2010).

  5. 5 Algumas revistas estampavam fotografias manipuladas da cantora de forma frequente. Na capa da revista Us Weekly de 11/12/2006 uma foto de Britney com seu filho nos braços foi colocada ao lado de uma imagem da socialite Paris Hilton, com quem a cantora era vista com frequência em festas noturnas. A imagem, junto com a manchete “O novo problema de Brit” e o texto “Festas do pijama selvagens & festanças a noite toda: como Paris se tornou a nova melhor amiga perigosa de Britney e o que isso significa para os seus filhos” dava a entender que Britney estava levando seu bebê para citadas festas com Paris Hilton (Tuomi, 2020).

Revista Ensambles Otoño 2024, año 11, n.20, pp. 105-122
ISSN 2422-5541 [online] ISSN 2422-5444 [impresa]

Gabriel D. Noel

REVISTA ENSAMBLES AÑO 11 | Nº 20 | otoño 2024 | Textos ensamblados PP. 105-122 |